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E se meu filho não fosse autista?

Atire a primeira pedra quem nunca imaginou como seu filho seria se não fosse autista.

Na verdade, quem nunca pensou  em como seria sua própria vida se seu filho fosse neurotípico? Certamente, o dia a dia seria outro, as rotinas também, pois tudo seria muito diferente da realidade.

Quem nunca?

Em algum momento de suas trajetórias, 10 entre 10 mães de autistas já “se pegaram” pensando como suas jornadas  e de seus filhos seriam diferentes se o autismo não tivesse entrado em sua vidas  sem pedir licença.

Portanto, longe  de ser um crime, esta situação é comum e não deve ser mais um motivo para sobrecarregar a consciência materna. Trocando em miúdos: se você, pelo menos uma única vez,  já pensou desta forma, não se culpe!

Trago este assunto à tona pois recebi dois emails que continham, dentre outros assuntos, este mesmo relato. Mulheres cujos filhos já foram diagnosticados há mais de 3 anos, que passam quase 50% de seu tempo “sonhando acordadas” imaginando como seus filhos poderiam ser se não fossem autistas.

Ambas admitem que ainda vivem momentos de luto e de dor. Uma delas chega a dizer que acredita que seu luto seja eterno. Perguntam-me como seguir em frente e virar a página definitivamente.

Nenhuma de nós estava preparada para uma maternidade atípica, quando o diagnóstico “bateu às nossas portas”. Nenhuma de nós, repito, sonhava com terapias, crises comportamentais, estereotipias, alterações de humor, privações de sono, seletividade alimentar, preconceito (eterno) da sociedade, dificuldades na comunicação, irritabilidade, agitação…

O susto foi enorme e todas nós vivemos nosso luto. Obviamente, o luto é individualizado e sua duração varia de pessoa para pessoa. Cada uma de nós viveu sua dor e superou no exato momento em que foi capaz de fazê-lo, sem haver uma data limite para “virar a página”.

Da mesma forma que é ponto pacífico que não existe um limite para se viver o luto, também é consenso que o quanto antes o luto for abandonado, melhor será para todos os envolvidos (criança, mãe,  pai). Confuso, não é?

Tentando lançar luz à questão, vamos aos fatos: após o baque do diagnóstico, é natural ficarmos angustiadas e até mesmo desesperadas. Choramos, muitas vezes, até não mais poder. Algumas podem chorar dias, outras podem chorar por semanas e algumas levam meses neste processo. Existem pessoas que podem ficar “presas” neste luto até mesmo durante anos.  Enquanto estamos mal, chorando e sofrendo, somos incapazes de reagir, correto? Portanto, quanto antes formos capazes de abandonar o luto, melhor será para nossos filhos, para nós,  para nossa família, enfim, para todos os envolvidos! Nossos filhos, com certeza,  serão os maiores beneficiados, pois precisam que estejamos bem para ajudá-los neste caminhar!

Fato é que a realidade destas mulheres tornou-se “doída” demais e então elas passaram a utilizar-se desta fantasia como um recurso, uma espécie de fuga da realidade. No início, isso acontecia de forma esporádica; posteriormente, a fantasia foi se tornando infinitamente mais convidativa do que a realidade e ambas mergulharam cada vez mais nas águas profundas de um mundo imaginário e irreal. No início, cada “braçada” dentro d’água trazia o alívio que tanto precisavam para sua dores, a cura para seus medos, o antídoto para suas angústias. Com o passar do tempo, entretanto, perceberam-se “presas” em uma fantasia, da qual não conseguiam sair.

Não estaria sendo sincera se dissesse que o caminho para “virar” este jogo é simples ou muito menos fácil; entretanto, é possível modificar este quadro e querer mudar já é o primeiro passo para uma empreitada vitoriosa.

Uma dica valiosa e que pode ajudar é procurar olhar ao seu redor e ver a realidade das pessoas, independente de ter ou não filhos com autismo. Certamente, será fácil identificar que todos possuem suas próprias dores e mazelas, em maior ou menor grau, e que ninguém vive um conto de fadas.

Na grande maioria das vezes, estamos tão envolvidas com nossos conflitos e dilemas que nos tornamos incapazes de perceber as dificuldades alheias,  por vezes até mesmo maiores e mais complexas do que as nossas.

Conversar com outras mulheres que vivem a mesma situação pode ser uma experiência muito válida neste momento. Trocar ideias, desabafar, abrir o coração e perceber que outras pessoas vivem ou já viveram a mesma a situação traz  conforto e alívio fundamental para que possamos  seguir em frente.

Ajuda terapêutica especializada pode ser extremamente útil neste momento de resgate e caso seja necessário, não resista à ideia. Tenha em mente que para “virar a página” você deve lançar mão de todos os recursos possíveis e a terapia será muito valiosa e positiva nesta hora.

Muito embora em um primeiro momento fugir da realidade pode parecer prazeroso, todos sabemos que esta está longe de ser a solução para qualquer problema.

Viver pensando em algo que poderia ter acontecido, mas que não aconteceu é a melhor forma de não viver o presente e, PRINCIPALMENTE , de NÃO construirmos o futuro, deixando passar em branco momentos valiosos de nossas vidas e das vidas de nossos filhos.

E apenas “vivendo” a realidade é que podemos construir o futuro.

Portanto, por mais duro que seja o seu dia a dia, é preciso enfrentar a vida real, submergir, vir à tona, para respirar o ar puro  tão necessário para virar o jogo e obter a tão almejada vitória.

 

Denise Aragão

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