Certa vez ouvi de uma mãe de uma criança autista que, se toda criança tem um anjo da guarda, a criança com autismo tem pelo menos meia dúzia deles se revezando, porque um só não daria conta.
Lembro que na hora achei o comentário espirituoso, até mesmo engraçado. Em uma análise mais objetiva, percebi que aquela mãe estava certa, pois nós sabemos o quanto eles demandam atenção e cuidados.
Quando recebemos a indicação de matricularmos nossos filhos em uma escola regular – pois eles irão se beneficiar, e muito, do convívio com as outras crianças típicas – é comum que fiquemos ansiosas e inseguras com o futuro e a permanência de nossos meninos ou meninas na escola.
Será que eles serão bem aceitos? As outras crianças serão capazes de entender o comportamento diferenciado de nossos filhos? Será que serão efetivamente incluídos no grupo, participando das brincadeiras e sendo convidados para as festinhas?
Depois da família, a escola é o primeiro núcleo social em que todas as crianças, autistas ou não, são inseridas. Cabe à escola, em parceria com a família, ensinar e estimular as regras da boa convivência, ensinar a partilhar, dividir, respeitar e obedecer. A escola emerge como uma instituição com papel crucial na formação do cidadão e, consequentemente, para a construção da sociedade como um todo.
Ok! Temos consciência destas premissas e na teoria tudo é muito eficaz.
Mas e quando se fala em inclusão? O processo flui naturalmente? Como convencer o coração de uma criança especial a inseri-la em um contexto desconhecido?
Juntamente com a recomendação da escola regular, ganha cada vez mais força a concepção da atenção individualizada de 1×1, na pessoa da acompanhante escolar, que damos o nome de Mediadora, que tem o objetivo de construir pontes, ser o elo entre a criança e o ambiente, os amigos e o professor. É inegável que a presença deste profissional traz certa tranquilidade às famílias. Contudo ainda persistem alguns receios…será que o grupo entenderá nossa criança?
Crianças, principalmente quando pequenas, em sua maioria, são livres de todo e qualquer tipo de preconceito. Os filhos costumam ser espelhos dos pais. Se a família partilha e ensina valores e ideais às suas crianças, estas serão exemplos vivos destes valores, no dia a dia.
Mas a essa altura você deve estar se perguntando: “onde entram os anjos da guarda nesta história?”
Quantos de nossos filhos, na escola, já não tiveram um amiguinho ou amiguinha que vivia junto, ajudando, estimulando e sendo a ponte com o restante do grupo?
Neste tempo de convívio com outras famílias de autistas, ouvi inúmeros relatos que, invariavelmente, contavam a mesma situação. Havia sempre um ou mais amiguinhos que funcionavam como uma espécie de anjo da guarda, sempre auxiliando, como um ser abençoado que Deus colocou no caminho de nossos filhos para ajudá-los em sua caminhada e para tranquilizar nossos corações.
João Pedro já teve, em todos estes anos, vários anjinhos da guarda! Crianças que, com apenas 3 anos de idade, intuíam que ele era diferente e que precisava de ajuda. Crianças que enxergavam a diferença com naturalidade, sem vê-la como uma condição de inferioridade.
Infelizmente também já chegaram ao meu conhecimento histórias tristes vividas por outras famílias, de bullying, desprezo e não aceitação. Entretanto , a boa notícia é que estas histórias são a minoria. Acredito que investindo na conscientização da sociedade, a tendência é aumentarmos ainda mais o exército de anjinhos da guarda de nossos filhos.
Agradeço de coração a todas as Marias, Gabriellas, Vitórias, Rafaellas, Dudas, Terezas, Anas, Júlias, Deborahs, Antônias, Eduardos, Felipes, Paulos, Ricardos, Guilhermes, Pedros que já passaram pela vida do meu João Pedro. Poderia ficar aqui escrevendo uma lista interminável de nomes, mas é certo que não terminaria hoje!
Ano passado, em razão da exibição do Programa Especial, a turma tomou conhecimento do Autismo do João Pedro; quando souberam de sua condição, muitos foram unânimes em comentar que nada havia mudado, “afinal, ele era o João Pedro de sempre.”
#simplesassim
Em sua inocência, as crianças nos ensinam que a inclusão deve ser encarada de forma natural. Nós, adultos, por vezes é que complicamos as coisas.
Homenageio então todas as crianças nas figuras da Anna Clara e da Cléo.
Ambas se revezam com paixão e dedicação no convívio diário com o João Pedro.
Na última festa da cultura, Cléo mantinha um olho em sua própria coreografia e outro no João. Na única vez em que ele esqueceu o passo, ela prontamente saiu de seu lugar e ajudou-o a retomar o passo. Bonito de se ver!
No dia 2 de Abril deste ano, Anna Clara se vestiu de azul, com direito a sombra e esmalte na cor azul, e ao chegar à escola abraçou-o e beijou dizendo: “Parabéns pelo seu dia, JP!”
Em casa, sentou-se com o irmãozinho de 4 anos e disse que aquele era um dia muito importante em que se comemorava o Autismo e que ela estava muito feliz porque era “o dia” do João.
Meus agradecimentos sinceros e emocionados também às famílias de todos os seus amiguinhos que, com louvor, fizeram e fazem seu “trabalho de casa”, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e desprovida de preconceitos.
Meu carinho especial à Anna Clara e à Cléo!
Não por acaso, escolhi o dia de hoje para a publicação deste texto. Hoje Anna Clara completa 9 primaveras. Ou você não sabia que os anjos da guarda também fazem aniversário?
Denise Fonseca de Jesus Aragão.
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