Nas primeiras aparições da personagem Linda, a jovem autista da novela das 9, uma questão em particular despertou meu interesse.
Em seu núcleo familiar, a jovem possui, além de seus pais, um irmão e uma irmã.
Enquanto seu irmão é bastante carinhoso e igualmente compreensivo com os comportamentos “autísticos” de Linda, sua irmã é apresentada como uma jovem ambiciosa, completamente intolerante com a condição de Linda e que se mostra envergonhada com a existência dela. Tanto que na primeira oportunidade que tem de deixar a casa onde moram (e, naturalmente, deixar de conviver com o Autismo) ela não titubeia e o faz com rapidez e oportunismo.
Penso que poderemos ter aí um desdobramento muito rico desta trama . A ideia de mostrar a família nuclear com dois irmãos neurotípicos , com comportamentos totalmente divergentes e sentimentos antagônicos em relação à condição da irmã , é fantástica e se for bem trabalhada (espero e torço para que o seja!), vai render muito pano para manga , levantando o debate oportuno sobre as sequelas que se abatem sobre os outros membros da família.
Para começo de conversa, nos EUA e em alguns países do primeiro mundo, quando uma criança é diagnosticada com TEA, toda a sua família é considerada autista também e, como tal, merecedora de acompanhamento especializado.
Costuma-se dizer que TODA a família adoece junto com o portador da Síndrome, tamanho é o impacto a que seus membros são submetidos.
Algumas famílias recuperam-se mais rapidamente deste impacto, ao passo que outras levam um pouco mais de tempo, afinal NÃO existe uma fórmula mágica, cada família cria sua estratégia de sobrevivência e encontra seu caminho.
Existem ainda aquelas cujo luto jamais acaba, tamanho o sofrimento e a forma como se entregam a ele…
E é nesta situação que se enquadra a família de Karl Taro Greenfeld, jornalista aclamado e autor do livro “Sinto-me só”. Karl tem um irmão autista chamado Noah. Karl e seu irmão, assim como seus pais, conviveram com o Autismo na década de 60 e 70 e cresceram sob teorias ultrapassadas e conceitos errôneos tais como mãe geladeira, internação e eletrochoques como forma de modificar os comportamentos inadequados dos autistas.
Imaginem o quão terrível terá sido ouvir do profissional mais conceituado à época que seu filho era um caso perdido e que não havia nada que pudesse ser feito por ele, a não ser interná-lo?
Pois foram estas e outras sentenças de morte que a família Greenfeld recebeu.
Seu pai, Josh Greenfeld, escritor judeu americano, escreveu vários artigos sobre o tema, bem como uma trilogia sobre Noah e a luta que ele e sua esposa travaram para resgatá-lo do encarceramento em que ele se encontrava. (a saber ” A child called Noah” – 1972, “A place for Noah” – 1978 e ” A client called Noah” – 1986).
Josh relata em alguns trechos que em diversos momentos passaram por sua mente pensamentos nos quais ele dava fim à vida de Noah. Eram pensamentos que lhe apavoravam, mas que às vezes soavam como uma triste e infeliz solução.
Na página 340 de seu livro “Sinto-me só”, Karl relata:
“Meu pai costumava me dizer que ele falava e escrevia sobre matar Noah porque isso significava que ele jamais poderia fazer tal coisa, porque confissão e motivo já estavam ali, nos vídeos, em seus livros, então ele jamais poderia praticar o crime.”
Foi nesta atmosfera de pânico, descrença e desconhecimento que cresceu o menino Karl.
“Sinto-me só” é um livro amargo, sofrido, repleto de uma sinceridade desconcertante e doída, como se levássemos um soco na boca do estômago.
Sem meias palavras, Karl narra a vida e o cotidiano da família, que gira claramente em torno de Noah e, sob sua ótica, mostra o quanto se sentiu esquecido, preterido e postergado em vários momentos de sua vida.
Declara também o amor que nutre pelo irmão e reitera que tem a sensação de viver uma relação de amor e ódio com ele. Definitivamente não é um livro cor de rosa, com um final feliz.
É repleto de realismo, onde ele se despe de todas as convenções politicamente corretas e narra seus rancores, mágoas, sonhos, medos e o carinho imenso que, apesar de tudo, sente pelo irmão autista.
Na primeira vez que tomei conhecimento do teor da obra, um grande sentimento de rejeição tomou conta de mim.
Agora, anos depois, um pouco mais amadurecida pelas experiências inimagináveis (trazidas pelo autismo) pensei estar pronta para ler o livro.
Ainda assim, admito sem medo de parecer piegas, foi uma experiência DOLOROSA!
Principalmente porque, assim como outras tantas famílias, tenho um outro filho, neurotípico.
Não me sinto à vontade para tecer julgamentos à respeito da postura e dos sentimentos de Karl Taro Greenfeld . Não o vejo como um vilão; longe disso, ele é apenas mais uma vítima.
O livro nos oferece, sem contestações, uma contribuição inestimável: o CUIDADO que devemos ter com os irmãos de autistas.
Se a notícia do diagnóstico é devastadora para nós que somos adultos e, supostamente melhor preparados para enfrentar os desafios da vida, imagine como nossos filhos serão impactados por esta informação!!!
O que esperar?
O que vai acontecer?
Assustados com o turbilhão de acontecimentos, os irmãos de autistas se tornam presas fáceis do medo e da insegurança. Viram reféns de sentimentos diversos, muitas vezes conflitantes.
Alguns se ressentem do fato do irmão ou irmã autista receber mais atenção. Outros se julgam preteridos e passam a considerar o irmão como um empecilho pois acham que estes atrapalham suas vidas.
Existem ainda aqueles que tão logo possível saem de casa, evitando ao máximo a convivência com o irmão. No outro extremo da situação, temos aqueles que, desde muito cedo, chamam para si a responsabilidade de cuidar, tomar conta de seus irmãos, mas que muitas vezes extrapolam o limite saudável da situação e acabam se responsabilizando além da conta por eles, de forma obsessiva e até mesmo doentia para ambos os lados.
E quanto a nós mães? Com devemos agir de forma a ajudá-los na construção desta relação com seus irmãos com TEA?
Devemos deixar claro SEMPRE que possível o quanto eles também são amados e importantes para nós, explicando de forma clara e objetiva os motivos pelos quais o portador da síndrome necessita de um tempo maior de nossa dedicação.
Procurar dedicar um tempo livre para conversarem a sós e tentar deixar o tema Autismo de lado, para que ele perceba que seus assuntos e interesses são primordiais para você também.
Cabe a nós, pais e mães, mais este desafio: se equilibrar nesta corda bamba emocional que o Autismo nos traz e ajudar nossos filhos neurotípicos a se desenvolver e amadurecer com o melhor de sua potencialidade, tornando-se adultos felizes, amorosos e amados e capazes de transferir este amor que receberam para todos, principalmente aos seus irmãos e irmãs autistas.
Denise Aragão
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