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Sobre as voltas que a vida dá

Sobre as voltas que a vida dá

“Era um casal feliz e apaixonado. A felicidade de ambos saltava aos olhos de todos. Principalmente agora com a chegada do primeiro bebê.

Aos 38 anos de idade, Frederico e Annie eram os pais de primeira viagem mais corujas deste mundo.

Mas tudo mudou quando o desenvolvimento do pequeno Júnior começou a apresentar alterações. O primeiro sinal de alerta surgiu com o atraso da fala. Ao atraso da fala, seguiram-se os movimentos estereotipados, a falta de contato ocular, o imenso apego à rotina e interesses restrito-repetitivos.

Com todas estas evidências, não tardou para que os médicos chegassem ao diagnóstico de autismo. O mundo desabou para Frederico e Annie. Não parecia possível que “aquilo” estivesse acontecendo logo com o filho deles. O luto pós diagnóstico abateu-se sobre o casal.

Annie, entretanto, percebeu que a evolução de Júnior dependia necessariamente de seu próprio bem estar e procurou buscar forças de onde sequer sabia que possuía para ajudar seu filho. Tornou-se tão forte como  jamais imaginara que poderia ser.

Frederico, contudo, avaliou a situação de outra forma. Quando os médicos disseram que não havia cura para o  autismo, apesar do bom prognóstico do menino, ele tomou sua decisão: abandonou sua família, alegando que não nascera para ficar “preso” por toda uma vida cuidando de alguém que, muito provavelmente, precisaria de cuidados para sempre. E ainda justificou que o certo era mesmo que Annie assumisse os cuidados com o menino, uma vez que ele nascera “assim” devido à idade avançada da mulher.

A verdade é que Frederico sentiu muito medo da situação que vislumbrava, e acabou “fugindo” de sua responsabilidade. Annie não teve sequer tempo para chorar; muitas foram as noites perdidas pensando no futuro incerto de seu menino. Mas ela lutou muito e viu a cada dia seu filho evoluir mais e mais.

Tempos depois, Frederico iniciou um relacionamento com uma jovem de 19 anos, que no espaço de um ano já estava grávida de um menino. Ele ficou feliz, afinal desta vez tudo seria diferente pois ele teria um bebê com uma mulher “jovem”.

Entretanto, ao completar o segundo ano de vida, este bebê foi diagnosticado com autismo, da mesma forma como havia ocorrido com seu meio irmão há quase cinco anos atrás.

Frederico sofreu muito e não seria exagero dizer que foi ao fundo do poço.

Contudo, passado o baque inicial, Frederico pediu perdão à Annie pelos erros do passado.

Annie, que  já havia se casado novamente, perdoou o ex-marido, pois nunca havia alimentado mágoa em seu coração. Apesar de toda dor que sentira no momento da separação, ela havia preferido dedicar suas forças para cuidar de seu filho.

E seus esforços haviam surtido efeito! A evolução de Júnior surpreendeu o prognóstico dado pelos médicos.

Frederico tornou-se um pai exemplar e devotado para ambos os  meninos; passou a participar ativamente na educação dos filhos e a estudar sobre autismo.

O fato de seu segundo casamento também ter chegado ao fim, pois sua segunda esposa pediu o divórcio, obviamente abateu Frederico, mas não afastou-o de seu filho caçula.

Apesar de não poder voltar no tempo e apagar o que havia acontecido, ainda houve tempo para que Frederico iniciasse uma nova história com seus filhos.”

A história acima é inspirada em fatos reais e os nomes são fictícios. Nessa narrativa encontramos algumas situações que , provavelmente,  já nos deparamos na vida real.

Quantos de nós na fase do luto não procuramos por culpados? Algumas vezes, por exemplo, responsabilizamos a nós mesmos, quando sabemos, ou deveríamos saber, que não temos nenhuma parcela de culpa nesta situação.

Em outros casos, por uma série de motivos e implicações, a situação torna-se ainda mais difícil e   dolorida, e por não saber como enfrentá-la, alguns casais passam a acusar-se mutuamente, e iniciam então uma verdadeira “caça às bruxas” procurando um culpado para o autismo de seu filho, como se, descobrindo o responsável, o autismo desaparecesse de suas vidas e o problema estivesse resolvido.

Portanto, é comum ouvir frases do tipo:

“ele é assim porque puxou à sua família!”

“a culpa é sua, porque você  já tinha mais de x anos quando ele nasceu!”

Esta última frase, por exemplo, foi a justificativa utilizada por Frederico que, por ser incapaz de enfrentar seus medos, optou por uma solução “mais fácil”; separou-se da família e foi viver uma vida que ele julgou ser livre de problemas.

É importante lembrar que não existem “culpados” pelo autismo. Na busca infrutífera por um responsável, acusações são feitas, mágoas são semeadas e é provável que essas mágoas jamais possam ser apagadas de dentro do peito daquele que foi magoado.

Nesta história impressionante, todavia, deve-se ressaltar também a atitude de Frederico que foi capaz de admitir seus erros e pedir perdão, gesto geralmente tão difícil de ser feito.

E assim é a vida: sempre surpreendente e sempre nos surpreendendo.

Algumas vezes ela pode nos levar a caminhos quase incompreensíveis, nas voltas que dá. Ficamos atônitos, não compreendemos o porquê de jornadas repletas de intempéries e, por vezes, decidimos por conta própria buscar atalhos que nos pareçam mais rápidos, mais fáceis e incrivelmente mais tranquilos.  O que não sabemos é que, muitas vezes estes “atalhos” podem ser até mais espinhosos que os caminhos que a própria vida havia nos oferecido.

Por vezes, também acabamos por descobrir que alguns destes atalhos apenas nos levam de volta ao caminho de origem que a vida havia preparado para nós.

Mas sempre podemos recomeçar. Nem sempre é possível recomeçar do ponto em que paramos ou reparar erros do passado, por exemplo.

A cada nascer do sol, sempre haverá tempo para dizer eu te amo, pedir perdão e fazer diferente.

Basta querer.

 

Denise Aragão

 

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