Parou em frente à porta.
“Será que este seria o momento certo para este encontro?”, pensou, pela décima vez.
Girou a maçaneta e, em um ímpeto, com o coração sobressaltado, deu seus primeiros passos rumo ao futuro incerto que lhe aguardava.
O espaço era iluminado, claro e solar. Nem de longe lhe causou estranheza. Ao contrário, soou-lhe extremamente familiar! “Figuras” conhecidas passavam rapidamente por ela, a todo instante, de forma rápida, quase automática, em um vaivém frenético. Mulheres como ela, desempenhando toda a sorte de tarefas que ela conhecia tão bem. E elas tinham MUITA pressa, pois não tinham tempo a perder.
Este último pensamento a fez recordar o motivo de sua presença naquele local. Muito embora não quisesse sair daquela sala tão conhecida, familiar e, ao mesmo tempo , aconchegante, sabia que precisava deixá-la para seguir seu caminho.
Sem olhar para trás ela partiu, deixando a sala iluminada. Tampouco as figuras perceberam a sua partida, pois sempre tinham muito há fazer. Trabalhavam dia e noite, o tempo todo, dando o melhor de si, para o melhor que haviam criado.
A próxima sala estava à meia-luz e ela sentiu-se ligeiramente desconfortável. Aos poucos, seus olhos foram se acostumando à pouca luminosidade e ela pôde enxergar com exatidão o ambiente ao seu redor.
A princípio, tudo lhe parecia estranho, mas num olhar mais aprofundado, algumas lembranças muito antigas foram sendo evocadas.
Pendurados pelas paredes, havia diversos quadros com frases. Sem titubear, ela começou a ler. Foi reconhecendo uma a uma; todas elas. Assim que terminou a leitura, estava com o rosto banhado em lágrimas.
“Porque eu acredito que um mundo melhor começa dentro de cada um de nós!” , dizia uma das frases que estava escrita em um dos quadros.
As memórias tornaram-se vívidas e muita claras; trechos inteiros de sua vida passaram por seus olhos: sua infância e meninice; adolescência e juventude; início da fase adulta até a idade atual.
Repentinamente, a sala ganhou mais luz e cor e as frases, como em um passe de mágica, desprenderam-se dos quadros e passaram a flutuar, como se estivessem bailando.
Riu! Riu alto, como há muito não sorria, pois andava sempre tão preocupada com tudo e com o bem estar de todos à sua volta. Quase nunca sobrava tempo para pensar em si mesma ou em seu próprio bem estar.
Enquanto bailavam divertidamente, as frases foram deixando a sala e , instintivamente, ela foi acompanhando-as.
Contudo, assim que chegaram ao próximo recinto, para seu desespero, as frases sumiram, e lá só havia escuridão e silêncio.
Entrou em pânico. Quis fugir, pois percebia que era chegado o momento do encontro e não sabia o que iria encontrar.
Tal qual uma criança amedrontada, sentou-se em um canto daquela sala, passando seus braços por cima dos joelhos como se estivesse tentando “se abraçar”.
Fechou os olhos e assim permaneceu por algum tempo, até que seus olhos se acostumaram com a escuridão. Levantou-se e, cautelosamente, começou a tatear explorando o ambiente. Estranhamente, já havia vasculhado praticamente toda a sala sem nada encontrar até que deparou -se com uma mulher.
Naquela escuridão total, precisou firmar bem os olhos para melhor enxergar a aparência daquela mulher. Soava-lhe estranhamente familiar; devia estar na faixa dos quarenta e poucos anos, jovem e bonita, tinha aparência de cansada e parecia que tinha esquecido que um dia tinha sido mulher, profissional, enfim, um SER HUMANO, muito antes de ser apenas mãe. Aquela mulher, no auge da maturidade, dava a impressão de doar todo o seu tempo para sua família, mas não se lembrava um só instante de cuidar dela própria.
Mal acabou de concluir este raciocínio e a sala tornou-se instantaneamente iluminada! Uma profusão de luzes coloridas e holofotes acenderam-se na direção da mulher.
Quando ela olhou em sua direção, irrompeu em um pranto solto, impossível de ser contido. Ao olhar na direção da mulher, viu apenas a sua própria imagem refletida no espelho. Compreendeu então porque havia passado tanto tempo ora negando, ora adiando aquele encontro. Aquele encontro tão necessário, que ela tanto temia, era com ela mesmo.
Mergulhada em sua alma, encontrou sua essência, esquecida, adormecida, empoeirada, em algum cantinho, debaixo de tantos afazeres, postergada, porque ela estava sempre esquecendo de si mesma .
Esquecendo-se de seus sonhos, esquecendo que também tinha projetos pessoais, e que o bem estar de sua família passava necessariamente pelo seu próprio bem estar. Como ela amava tanto seus filhos, sua família, só poderia dar o melhor para eles, se ela estivesse completamente realizada e esta realização, passava necessariamente pela sua própria realização pessoal.
Compreendeu então, mais do que nunca, que para que todos fossem felizes, ela deveria ser feliz. A máxima da “máscara de oxigênio” das viagens de avião fazia todo sentido. Olhou para o espelho e sorriu. E sua imagem refletida no espelho acenou para ela e desejou boa sorte em sua nova fase da vida.
Abriu a porta, pronta para construir um mundo novo.
Nos últimos meses foram inúmeras mensagens, emails e muitas conversas sobre o mesmo tema: quando foi que esquecemos que nós existimos, enquanto mulheres, seres humanos? Quando foi que deixamos de lembrar que antes de existir uma mãe havia uma mulher, uma profissional, um indivíduo que tinha (e tem!) sonhos?
Em que momento assumimos o papel da mãe esquecendo-nos de que, no Palco da Vida, cada um de nós pode e deve representar vários papéis?
O texto de hoje retrata de forma metafórica o tema. Nossa personagem embarca em uma viagem ao seu subconsciente para um encontro que, tantas vezes, já adiou, por temor do que iria encontrar.
A primeira sala, onde ela sentiu-se confortável e reconheceu como sendo familiar, remete ao nosso cotidiano: são as muitas tarefas desempenhadas em nosso dia a dia quando, inúmeras vezes, precisamos desempenhar vários papéis; por este motivo, ela não queria deixar um ambiente que tanto lhe era seguro.
No segundo recinto, se deparou com memórias bastante remotas e esquecidas; lembranças de quando era criança e de jovem idealista que foi um dia; a profissional que acreditava que um mundo melhor começa dentro de cada um de nós. A sala das frases reacendeu em seu peito a alegria e esperança e a fez lembrar como ela era (e ainda é !!!).
A derradeira sala, totalmente escura no início, representa o salto no abismo do seu próprio eu, onde ela enxerga a visão da mulher, percebe -a como cansada, percebe que ela se doa demais em detrimento de si mesma, e é neste exato momento que o insight acontece: ao reconhecer e identificar suas próprias dificuldades, as “luzes” se acendem tornando tudo mais claro. E ela então percebe que a visão trata-se dela mesmo.
É vital que cuidemos da mulher que existe dentro de cada uma de nós. A mulher que existe muito antes da mãe que nos tornamos.
Se você, assim como a personagem desta estória, há muito não sabe onde está a mulher, a profissional, o indivíduo que você foi ( e é ! ), embarque em uma viagem de autoconhecimento e resgate e procure formas de trazer à tona, dar nova vida à esta mulher. Volte a estudar, a trabalhar, procure um novo hobby, pratique uma nova modalidade de exercício, aprenda um novo idioma, envolva-se em um trabalho voluntário, enfim faça uma atividade para você, apenas para você e que lhe dê prazer.
Faça a diferença em sua vida.
Um mundo melhor começa dentro de cada um de nós.
O seu mundo melhor começa dentro de você.
Denise Aragão
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