Costumo dizer que, especificamente no transtorno do espectro autista, o tempo não está a nosso favor, ou seja, quanto mais o tempo passa e não iniciamos uma intervenção terapêutica correta, menores as nossas chances de termos bons resultados com aquela criança.
E é obvio que, para iniciarmos tratamento precoce, precisamos de um diagnóstico precoce. Nesse ponto começa um dos mais graves problemas das crianças com autismo e de suas famílias no Brasil: o diagnóstico geralmente é tardio… e não é um pouco tardio… é muito tardio!
Há muitos anos nós sabemos que o desenvolvimento cerebral ocorrido nos primeiros anos de vida determinará a evolução futura de nosso comportamento, de nossa comunicação, de nossa capacidade de compreensão e de todas as demais funções cognitivas e emocionais necessárias para uma vida saudável. Portanto, os primeiros anos de vida são considerados fundamentais para dar o suporte necessário ao APRENDIZADO no futuro.
Atualmente, nós sabemos também que a forma clássica do autismo decorre de fenômenos geneticamente mediados, sendo, portanto, uma condição presente desde as fases inicias da vida das crianças. Em algumas, esses sintomas são mais evidentes do que em outras, mas eles sempre estão ali… basta que sejamos capazes de identificá-los.
É cada vez mais claro para a neurociência que, quanto mais precoce for a intervenção, mais eficaz. Isso não significa que não possamos ter resultados satisfatórios quando iniciamos tratamento em crianças mais velhas, mas certamente esses resultados serão piores.
Não é raro que no Brasil o diagnóstico do autismo seja firmado após quatro, cindo ou até seis anos de idade, o que é considerado muito tardio. Tardio porque a “fase de ouro” para a intervenção foi desperdiçada.
Bom, resta a pergunta… Se todos sabemos o quanto é importante diagnosticar e tratar desde muito cedo essas crianças, por que então estamos falhando nesse ponto?
Essa pergunta é complexa e, infelizmente, têm muitas respostas.
Uma destas respostas é que uma grande parte dos médicos não apresenta a qualificação técnica necessária para o diagnóstico até que os sinais e sintomas sejam absolutamente óbvios. E, quando isso ocorre, tempo demais já se passou.
É claro que não esperamos que médicos de todas as especialidades sejam capazes de estabelecer um diagnóstico precoce do transtorno. Mas todos os médicos deveriam ser capazes de levantar esta hipótese diagnóstica e encaminhar a criança precocemente a um especialista.
Outro aspecto relevante é que nem todos os pediatras estão verdadeiramente aptos para estabelecer esse diagnóstico em tempo razoável. Assim, seria muito importante o estabelecimento de uma política nacional forte e eficaz na capacitação dos médicos pediatras para a identificação dos sintomas do autismo mesmo nos bebês pequenos.
Um outro enorme problema que enfrentamos é a crença de que “cada criança tem o seu tempo”. ISSO NÃO É VERDADE! Existe uma “velocidade de desenvolvimento” na infância que é considerado padrão, ou seja, normal. Evidentemente, esse desenvolvimento sofre uma certa variação para mais e para menos, como todas as demais variáveis biológicas de nosso organismo, mas sempre haverá um desenvolvimento considerado padrão.
Vamos dar um exemplo com o desenvolvimento do “andar”, para ficar mais claro: a média das crianças nascidas a termo e com desenvolvimento neurológico típico andam sem apoio ao redor de 12 meses de vida. Mas como sabemos que existe uma variação natural e que, ainda assim, é considerado normal, caso um bebê esteja andando com 11 meses ou caso venha a andar com 15, todos podem ser considerados dentro da variação da normalidade.
Agora, se uma criança, aos 24 meses de idade, ainda não é capaz de andar sem apoio, nós não podemos dizer à família: “Fiquem tranquilos, pois cada criança tem o seu tempo”. Isso é um erro técnico, atrasa o diagnóstico, atrasa o tratamento e coloca a saúde das crianças em risco.
É claro que, quando utilizamos como exemplo o “andar”, tudo fica mais fácil de ser compreendido. Entretanto, exatamente a mesma lógica vale para o desenvolvimento do comportamento social e do comportamento verbal na infância. Portanto, se o comportamento de uma criança está desviando da normalidade, perceber isso precocemente também é obrigação do médico que a assiste.
Caso você identifique ou suspeite de atrasos em qualquer área do desenvolvimento de seu filho e um profissional de saúde diga que “está tudo bem e que cada criança tem o seu tempo”, não deixe de questionar. E se mesmo assim você não estiver satisfeita com as explicações, peça uma segunda opinião.
É comum que médicos diferentes possam ter avaliações diferentes sobre determinados aspectos do desenvolvimento infantil.
Teoricamente, médicos pediatras, neurologistas, neuropediatras, psiquiatras e psiquiatras infantis são os especialistas mais qualificados para este diagnóstico. Mas vejam bem: quando avaliamos COMPORTAMENTOS em uma criança, isso pode ser altamente subjetivo. Assim, quanto mais um médico é exposto a crianças com autismo no dia a dia de sua prática clínica, mais sensível seus “olhos” vão se tornando para os sinais e sintomas desse transtorno. Portanto, é perfeitamente possível que dois médicos com experiências diferentes olhem para a mesma criança, ao mesmo tempo, e tenham opiniões discordantes a respeito do diagnóstico do autismo.
Por fim, a regra de ouro é a seguinte:
“Se você não está satisfeita com as explicações a respeito do comportamento de seu filho; se você acredita que ele apresenta desenvolvimento diferente das demais crianças, siga em frente buscando ajuda; siga em frente buscando outras opiniões”.
Dr. Paulo Liberalesso, MD, PhD.
CERENA – Centro de Reabilitação Neuropediátrica Hospital Menino Deus.
Departamento de Neuropediatria – Hospital Pequeno Príncipe.
Médico Neuropediatra. Mestre em Neurociências.
Doutor em Distúrbios da Comunicação Humana.
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