É muito comum que, durante uma consulta médica em que informamos à família que determinada criança tem o diagnóstico de autismo, os pais imediatamente digam: “Mas isso não é possível. Ele é superinteligente”.
Eu tenho certeza que quem trabalha com crianças no TEA já teve pelo menos uma vez na vida essa experiência.
Enfim… É muito comum que pessoas leigas no assunto confundam conceitos fundamentais da neurologia e da psiquiatria e não compreendam os limites entre os distúrbios do comportamento humano e as condições que provocam alterações intelectuais e cognitivas.
Embora hoje nós saibamos que uma parcela considerável das crianças com autismo também apresenta transtorno do desenvolvimento intelectual, essas duas condições são absolutamente distintas, com critérios diagnósticos diferentes, modalidades de intervenção terapêutica diferentes… Ou seja: uma coisa não tem nada a ver com a outra.
A verdade é que não sabemos exatamente qual o porcentual de pessoas com TEA também apresenta deficiência intelectual, uma vez que bons estudos apontam valores discrepantes. Mas estudos epidemiológicos sugerem que a maior parte das pessoas com TEA nível 2 ou 3 tenham deficiência intelectual (DI) também.
O estabelecimento da exata relação percentual entre TEA e DI é muito difícil, pois em pessoas com autismo nível 2 e 3 pode ser bastante complexo estabelecer de forma precisa o coeficiente de inteligência, mesmo com a utilização de avaliações psicométricas formais. Mesmo havendo testes psicométricos validados para pessoas não verbais, a ausência da capacidade de comunicação verbal também é um fator complicador nesse caso.
Para que possamos compreender melhor a DI, precisamos tentar compreender o conceito de “inteligência”. E aí surge mais um grande problema, uma vez que a neurociência tem interpretações discordantes a esse respeito.
De um modo geral, mais abrangente e conceitualmente reducionista, poderíamos entender a “inteligência” como a capacidade humana para identificar um problema, refletir a respeito dele, criar formas de solucioná-lo e, por fim, escolher a melhor solução. Além disso, pessoas inteligentes devem ter a capacidade de APRENDER após solucionarem um problema, de modo que, da próxima vez em que forem expostas ao mesmo problema, a solução será mais rápida e mais fácil. Portanto, o fenômeno neurológico da aprendizagem faz parte do conceito de inteligência.
Contudo, precisamos compreender que, quando estamos tentando definir “inteligência” e falamos de um “problema”, não estamos necessariamente nos referindo a um problema acadêmico, e sim a um “problema” de qualquer natureza, como amarrar os cadarços de um tênis, realizar a higiene pessoal, ligar e desligar uma televisão, solucionar um exercício de matemática ou ler e interpretar um texto. Ou seja, estamos nos referindo a quaisquer situações da vida cotidiana.
Embora a literatura descreva muitos tipos de inteligência, na prática do dia a dia há somente três que são realmente relevantes.
Bom… Então se o autismo e a DI são condições tão diferentes, por que estamos falando a respeito desse assunto?
Porque, mesmo sendo condições clínicas muito distintas, há GRANDES equívocos ainda nesse tema.
Crianças com TEA podem ter um aprendizado acadêmico mais lento, mas não porque, necessariamente, tenham também DI, e sim porque muitas questões comportamentais, como a atenção, a concentração e a capacidade de alterar o foco atencional (que fazem parte do autismo) podem provocar dificuldades de aprendizado. E é absolutamente fundamental que isso seja identificado, caso contrário, acabaremos transferindo muitas crianças autistas com inteligência absolutamente normal para escolas de educação especializada sem nenhuma necessidade.
Crianças com autismo precisam ser avaliadas quanto às suas capacidades intelectuais, seja através de avaliação clínica, seja através de testagem psicométrica formal. Mas não podemos ter qualquer dúvida a respeito da associação entre o TEA e a DI, pois isso muda muitos aspectos da abordagem pedagógica para esses alunos.
É muito comum em nosso país que, dentro das escolas, crianças autistas sejam rotuladas como incapazes de aprender ou como alunos desinteressados. Enquanto a verdade é completamente outra. Nós todos, professores, auxiliares de sala, terapeutas, familiares, temos a obrigação de criar modelos educacionais que sejam capazes de ENSINAR. Acho que a frase mais importante para educadores de qualquer natureza é a seguinte: “Todos podem aprender. Se o seu aluno não está aprendendo, você está ensinado da forma errada”.
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