Como sabemos, o transtorno do espectro autista é diagnosticado clinicamente com base nos critérios estabelecidos no DSM 5, que é um manual periodicamente editado pela Associação Americana de Psiquiatria, tendo sua última versão publicada em 2013.
Segundo essas últimas diretrizes, os critérios para o diagnóstico do autismo são divididos em 2 grandes grupos: (a) déficits persistentes na comunicação e na interação social em múltiplos contextos e (b) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.
Quando os critérios para o diagnóstico de uma doença ou de uma síndrome são estabelecidos, partimos do pressuposto teórico de que suas manifestações são iguais ou pelo menos muito semelhantes em ambos os sexos. Contudo, isso nem sempre é verdade…
Em diversas doenças neurológicas e psiquiátricas, a apresentação clínica em mulheres e homens é significativamente diferente, o que pode trazer dificuldades e retardar o diagnóstico. E, aparentemente, o transtorno do espectro autista é um claro exemplo disso.
A literatura é bastante clara e contundente quando afirma que o autismo é uma condição muito mais frequente nos meninos do que nas meninas, havendo explicações genéticas para essa distribuição assimétrica entre os gêneros.
Contudo, a dúvida que surge é: esses mecanismos genéticos são realmente suficientes para explicar tamanha diferença de incidência entre meninos e meninas? Ou haveria outras questões envolvidas?
Um excelente estudo recentemente publicado e intitulado “Exploring the female autism phenotype of repetitive behaviours and restricted interests (RBRIs): a systematic PRISMA review” abordou exatamente esse assunto.
Trata-se de uma Revisão Sistemática da literatura e, portanto, um estudo de alta qualidade e elevado poder científico, no qual os autores revisaram 19 pesquisas que analisaram como os comportamentos repetitivos e interesses restritos se manifestavam nas pessoas do sexo feminino, bem como se havia diferenças dessas manifestações clínicas entre os sexos masculino e feminino. Dessas 19 pesquisas, 12 encontraram evidências claras de que autistas do sexo MASCULINO tinham muito mais frequentemente comportamentos repetitivos e interesses restritos do que autistas do sexo FEMININO. Esse mesmo estudo mostra, ainda, que os comportamentos repetitivos e interesses restritos em pessoas autistas do sexo FEMININO não são suficientemente “percebidos” pela maioria dos instrumentos diagnósticos e escalas de triagem utilizados rotineiramente na prática clínica.
Desse modo, quando um médico atende uma menina com suspeita de transtorno do espectro autista, é preciso que ele tenha muito mais cautela e perspicácia para investigar a presença de restrição de interesse e repetição anormal de comportamentos disfuncionais, uma vez que esses sintomas do autismo podem estar mascarados.
Outro aspecto que também pode dificultar a identificação do autismo nas meninas, principalmente nas formas menos sintomáticas, é que comportamentos “menos sociais” podem erroneamente serem interpretados como timidez no sexo feminino.
É curioso que todas essas questões relacionadas ao gênero masculino e feminino não tenham adequada valorização quando analisamos os critérios diagnósticos clássicos descritos no DSM 5. Além disso, a literatura ainda é relativamente escassa em pesquisas que busquem compreender as diferenças dos fenótipos comportamentais entre homens e mulheres com transtorno do espectro autista.
É muito provável que a resposta para o título desse texto seja “Sim, nós precisamos de critérios clínicos diferentes para o diagnóstico do autismo nas meninas!”.
Referência bibliográfica:
Allely C. Exploring the female autism phenotye of repetitive behaviours and restricted interests (RBRIs): a systematic PRISMA review. Advances in Autism 2019, 5(3): 171-86.
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