Embora o autismo seja cercado por muitas dúvidas, uma delas se destaca: por que o número de diagnósticos de TEA tem aumentado significativamente nos últimos anos? Seria esse aumento real ou o resultado de diagnósticos anteriormente negligenciados por critérios clínicos diferentes e restritivos?
A verdade é que não temos a resposta para esse questionamento com um elevado nível de certeza.
Embora a maior parte dos pesquisadores da área afirme que o aumento do número de casos decorre do aumento do número de diagnósticos em indivíduos que anteriormente não seriam classificados como “autistas”, há discordâncias quanto a essas opiniões. Ou seja, há pesquisadores que afirmam haver um aumento no número de pessoas NASCENDO com TEA, o que poderíamos chamar de “aumento real”.
Que o autismo é uma condição fortemente relacionada à genética, disso a ciência não tem mais qualquer dúvida. Contudo, em muitas situações, a genética pode ser “influenciada” por fatores “não genéticos”.
E para que possamos compreender esses mecanismos que “influenciam” a genética, teremos que conhecer um termo novo: a “epigenética”. Epigenética é uma grande área da biologia que estuda as alterações no funcionamento do gene que não são provocadas por alterações na sequência do DNA. Como esse tema é bastante complexo, poderíamos simplificar e compreender da seguinte forma: a epigenética tenta explicar a relação entre fatores AMBIENTAIS e a expressão das informações contidas no material do DNA. Portanto, podemos compreender que fatores epigenéticos atuam, modificam e podem modular a expressão gênica.
Nesse sentido, torna-se muito importante tentarmos determinar se há algo ocorrendo no mundo, ou seja, um fator AMBIENTAL que possa de algum modo estar alterando nossa expressão gênica (“ligando ou desligando” genes nos seres humanos).
Há inúmeros artigos e pesquisas publicadas a esse respeito e os dados são pouco congruentes. Em 2019, foi publicado um excelente artigo na revista “The Lancet Psychiatry”, denominado “Environmental risk factors and biomarkers for autism spectrum disorder: an umbrela review of the evidence” (Fatores de risco ambientais e biomarcadores para o transtorno do espectro autista: uma revisão das evidências).
Antes de expor os resultados e conclusões desse artigo, quero destacar que se trata de uma revisão sistemática da literatura, ou seja, um artigo de elevado poder técnico-científico.
O objetivo dos autores foi analisar a força de fatores de risco ambientais para o desenvolvimento de TEA nas crianças. E, para isto, foram selecionados e revistados 46 estudos que cumpriam os critérios de elegibilidade científica e foram avaliados 67 possíveis fatores de risco ambientais para TEA.
Embora o artigo seja extenso e complexo, as conclusões principais foram as seguintes:
Embora diversos estudos apontem outras correlações positivas entre fatores ambientais e autismo, como, por exemplo, a maior idade paterna, a verdade é que nós não somos capazes de compreender até este momento exatamente como os fatores externos (ambientais) agem alterando nossos genes. Conhecemos alguns desses mecanismos epigenéticos, como a metilação do DNA, provocando silenciamento gênico de determinadas regiões, as alterações nas histonas (proteínas que organizam e compactam a estrutura do DNA) e as alterações na expressão dos RNAs não codificantes (podendo alterar processos transcricionais e pós-transcricionais). Mas estes mecanismos epigenéticos não são suficientes para explicarmos satisfatoriamente todos os casos de autismo.
O que fica claro dos estudos realizados e do conhecimento científico produzido até o presente momento – não somente no autismo, mas em muitas outras condições de natureza genética – é que não desvendamos ainda o processo por completo, ou seja, é muito provável que, além dos fenômenos genéticos já bem definidos, haja fatores diversos ainda desconhecidos atuando na modulação e na expressão gênica…
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