Autismo para pais

A polêmica da Bumetanida no autismo

Nos últimos meses, temos visto um crescente interesse por um medicamento chamado Bumetanida no Brasil. Ele, teoricamente, poderia ser utilizado no tratamento de pessoas no transtorno do espectro autista (TEA). Mas há muita confusão cercando este tema e, por isso, vamos abordá-lo no texto deste mês.

É importante frisarmos que experimentos com Bumetanida em modelos animais de autismo já são pesquisados há quase uma década por neurocientistas, de modo que não se trata de um tema novo na neuropsiquiatria. O que acontece é que, como o desenvolvimento de novos medicamentos é lento e extremamente oneroso, a ciência tem trabalhado com o conceito de “reposicionamento de fármacos”, pelo qual se tenta utilizar um medicamento já existente e de uso consagrado no tratamento de outras condições médicas. Este é exatamente o caso das pesquisas com Bumetanida no autismo.

A Bumetanida é muito conhecida e vem sendo utilizada há muitos anos no tratamento de pessoas com hipertensão, insuficiência cardíaca, doenças renais e até mesmo em casos mais graves e potencialmente fatais, como no edema agudo de pulmão. A Bumetanida é classificada como uma medicação diurética e atua nas alças de Henle nos rins interferindo nos processos de filtração de água e sais, provocando um significativo aumento na quantidade de urina produzida pelo corpo. Conforme esta urina é eliminada, ela pode carregar juntamente o sódio, o qual muitas vezes é responsável pelo aumento da pressão arterial e formação de edema no organismo. Entre os diuréticos, a Bumetanida é considerada um fármaco de alta potência, elevada eficácia e segurança.

Mas o que exatamente o Bumetanida tem a ver com o autismo? A resposta mais honesta é que nós ainda não sabemos! Mas há algumas pistas: pesquisas experimentais anteriores, realizadas com modelos animais de “camundongos autistas”, demonstraram que a Bumetanida atua sobre determinados receptores e neurotransmissores cerebrais, reduzindo parcialmente sintomas relacionados ao TEA. Após estes dados experimentais preliminares com animais de laboratório, cientistas iniciaram testes clínicos e com exames de neuroimagem, utilizando este fármaco em crianças com formas moderadas e graves do autismo. Vale ressaltar que a maior parte dos estudos avaliou crianças com idade superior a três anos, de modo que os dados em crianças mais jovens ainda não estão totalmente claros. Estudos que compararam crianças autistas recebendo Bumetanida (dose de 0,5 mg, duas vezes ao dia, por três meses) e crianças autistas não recebendo Bumetanida (grupo controle), demonstraram que as que fizeram uso da medicação apresentaram redução em parte dos sintomas do autismo quando testadas pela Escala de Pontuação para Autismo na Infância (CARS – Childhood Autism Rating Scale). Os sintomas que apresentaram maior redução foram os comportamentos repetitivos, a inflexibilidade comportamental, o interesse exagerado por determinados objetos – hiperfoco – e, menos significativamente, as estereotipias motoras. Há relatos mais individualizados de famílias que relatam maior efetividade no contato visual e na capacidade de socializar enquanto as crianças fizeram uso da Bumetanida.

É muito importante ressaltarmos que os estudos não são totalmente concordantes quanto à regressão dos sintomas do autismo e que o número de pessoas avaliadas ainda não é grande o suficiente para que seja possível generalizar estes resultados clínicos.

Até este momento, não sabemos exatamente como o Bumetanida atua no cérebro da criança no TEA, mas os exames de espectroscopia por ressonância magnética sugerem que ela influencie os níveis de GABA (o principal neurotransmissor inibitório do cérebro) e de glutamato (o principal neurotransmissor excitatório do cérebro). Um nível equilibrado e harmonioso de GABA e glutamato no cérebro é importante para o adequado funcionamento do córtex cerebral, não somente em questões relacionadas ao comportamento humano (incluindo as habilidades sociais), mas também evitando o surgimento de crises e síndromes epilépticas.

Um outro aspecto que também vem se consolidando na literatura neste últimos anos é que a Bumetanida tem poucos efeitos colaterais significativos quando utilizada em doses habituais, mas que seu efeito está restrito ao tempo de uso, ou seja, uma vez descontinuada a medicação os sinais e sintomas do TEA tendem a retornar aos níveis anteriores ao tratamento.

A última e talvez mais importante mensagem: a Bumetanida não deve ser utilizada de forma rotineira para tratamento de crianças no TEA! Embora os estudos sejam promissores, ainda estamos falando de um fármaco que necessita de estudos clínicos maiores e mais poderosos para que então, comprovado sua eficácia e segurança, possa ser indicada no tratamento clínico destes pacientes.

Dr. Paulo Liberalesso. Médico Neuropediatra. Mestre em Neurociências. Doutor em Distúrbios da Comunicação Humana. Diretor do CERENA – Centro de Reabilitação Neuropediátrica – Hospital Menino Deus, Curitiba, PR, Brasil.

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