Autismo para pais

Alterações da motricidade no Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Desde as primeiras tentativas, há mais de três décadas, para se estabelecer os critérios diagnósticos do transtorno do espectro autista, questões referentes à motricidade nunca foram consideradas verdadeiramente importantes. Contudo, atualmente sabemos que a grande maioria das crianças com autismo apresenta alterações significativas tanto na motricidade fina quanto na motricidade ampla.

O desenvolvimento motor pode ser entendido como uma alteração contínua e sequencial no comportamento motor do indivíduo, que ocorre durante toda a sua vida e que resulta da interação entre a pessoa, o meio ambiente e as atividades que precisam ser aprendidas e realizadas.

Já o termo motricidade, podemos entender como a capacidade que cada um de nós tem para tomarmos decisões e executarmos movimentos, desde os mais simples até os mais complexos. Desse modo, um desenvolvimento motor adequado deve ser considerado fundamental para que a criança adquira independência em suas atividades de vida diária e para que estabeleça relações mais efetivas com outras crianças durante o brincar. Portanto, fica fácil entendermos que há uma relação bastante próxima entre desenvolvimento motor e socialização.

Quando consideramos um cérebro com desenvolvimento típico, a capacidade de controle dos movimentos vai se tornando cada vez mais complexa. Dessa forma, didaticamente, podemos dividir a motricidade em ampla (grossa) e fina. A motricidade ampla está relacionada ao controle corporal global, sendo responsável pela manutenção da nossa postura e do equilíbrio estático e dinâmico. A capacidade que nós, seres humanos, adquirimos durante milhares de anos de caminhar em postura ereta e bípede é considerada o ápice do controle corporal dinâmico.

Por outro lado, a motricidade fina está relacionada à execução de movimentos de maior precisão, movimentos mais refinados e que resultam do controle de pequenos músculos. Movimentos integrados, como aqueles que dependem da coordenação entre os olhos e os membros, e a capacidade de manipular um objeto com as duas mãos de forma precisa, também fazem parte do conceito de motricidade fina. Quanto mais complexa a atividade que precisa ser executada, maior o trabalho que nosso sistema nervoso central deve desempenhar para controlar as áreas motoras.

De um modo geral, podemos compreender que, para cada atividade motora que realizamos, há uma intrincada rede de neurônios localizados nos lobos frontais, no cerebelo e nos núcleos da base que, agindo conjuntamente, dão início ao movimento, controlam sua performance e determinam o seu término no momento e na intensidade adequados.

Assim como muitos aspectos do comportamento social e verbal (sabidamente comprometidos em muitos autistas), uma grande parte do aprendizado motor ocorre por fenômenos de cópia sendo, portanto, os níveis de atenção e concentração fundamentais para que este desenvolvimento ocorra de forma típica.

Quando avaliamos o desenvolvimento motor nas crianças com autismo, é importante considerarmos que há significativa variação nas habilidades motoras mesmo nas crianças típicas. Assim, iremos considerar atrasos do desenvolvimento motor quando estas habilidades forem consistentemente comprometidas e sempre com base em instrumentos ou escalas que nos permitam uma medida (avaliação) objetiva.

Alguns dos sinais e sintomas de disfunção da motricidade mais observados em crianças com transtorno do espectro autista são os discretos atrasos nos marcos motores fundamentais dos primeiros 18 meses (sustentar a cabeça, sentar, engatinhar, andar com e sem apoio), os distúrbios motores da fala (apraxias), caminhar na ponta dos pés (uma mescla entre alterações motoras e sensoriais) e alterações na programação motora das mãos (evidenciadas pela dificuldade para empunhar o lápis, pintar, desenhar e grafar letras). É muito comum que as famílias queixem-se de que as crianças autistas apresentam menor capacidade de manter o equilíbrio, o que frequentemente provoca quedas inexplicáveis. Além disso, é comum também a queixa de que estas crianças babam demais, o que normalmente é decorrente de um comprometimento funcional (tônus) da musculatura facial.

Atividades motoras complexas e que dependam da coordenação entre visão, noção espacial-temporal e sincronia muscular de membros superiores e inferiores, como por exemplo aprender a utilizar triciclos e bicicletas, também costumam ser bastante comprometidas nestas crianças.

Com o passar dos anos, a experiência permite que, durante a consulta médica de rotina, já seja possível perceber claramente os sinais de atraso do desenvolvimento motor. Contudo, mensurar o nível do atraso motor é importante e, para isso, há diversas escalas que podem ser utilizadas como a Escala de Desenvolvimento Motor, o Teste de Triagem do Desenvolvimento Denver, a Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley, entre outras.

Quando pensamos na formulação das rotinas de tratamento de crianças que estão dentro do transtorno do espectro autista, automaticamente nos referimos a profissionais das áreas da psicologia, da fonoaudiologia e da terapia ocupacional, já que o diagnóstico clínico desta condição é fundamentalmente embasado no comprometimento das funções executivas, das habilidades sociais e de comunicação. Contudo, com o atual conhecimento que temos a respeito das disfunções motoras e sensoriais no autismo, devemos considerar, em casos específicos, a necessidade de envolver outros profissionais no curso terapêutico, como fisioterapeutas e psicomotricistas.

Por fim, também é preciso compreender que muitas vezes nós não seremos capazes de tratar TODOS os sinais e sintomas do autismo em um único momento. Assim, é comum que os profissionais envolvidos no tratamento criem uma hierarquia de habilidades comprometidas (da mais grave para a menos grave) e que o tratamento siga este planejamento.

Um último ponto muito importante a ser considerado é que o tratamento do autismo deve ser dinâmico, ou seja, as rotinas de tratamento (quer no tocante à intensidade de carga horária, quer quanto às modalidades de tratamento) devem ser alteradas sempre que necessário conforme as necessidades específicas de cada criança em cada momento de sua evolução.

 

Dr. Paulo Liberalesso, MD, PhD. Médico do Departamento de Neurologia do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, Paraná. Sócio-fundador do CERENA – Centro de Reabilitação Neuropediátrica do Hospital Menino Deus.

 

 

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