Autismo para pais

Como cuidar dos autistas durante o isolamento?

Milena Pereira Pondé – psiquiatra

O mundo, e agora o Brasil, colocou a população, subitamente, numa situação totalmente nova. Vivemos a ameaça de um vírus extremamente contagioso e potencialmente fatal, que nos obriga agora a viver em isolamento. Nós, profissionais, pais e parentes de pessoas com autismo, assistimos nos últimos 10 anos a todo o movimento de retirar a pessoa com autismo do ambiente doméstico e inseri-la nos espaços públicos: escolas, parques, cinema, praia, universidade, trabalho, aniversários e em todos os espaços que implicam em convivência. Esse esforço não se deu por acaso: o ser humano é gregário e nosso dia a dia acontece em espaços coletivos que implicam interação social permanente. Após todos esses anos de esforços de interação, subitamente, somos obrigados a nos isolarmos em casa, pois o contágio pelo novo coronavírus pode levar muitas pessoas à morte. Precisamos dramaticamente do isolamento para reduzir a extensão da proliferação da doença, permitindo assim que o sistema de saúde tenha tempo de atender aos casos mais graves, de doentes que precisam de atendimento em unidades de terapia intensiva e do auxílio de respiradores artificiais para sobreviver.

Nós, brasileiros, não conhecemos a realidade do isolamento e nem do enfrentamento coletivo de um inimigo em comum tão devastador: nunca passamos por guerras ou catástrofes de dimensão nacional. Trata-se de um momento extremamente desafiador, que ameaça não apenas o nosso país, mas todo o mundo. A nossa parte neste enfrentamento é nos isolarmos em casa para coibir o alastramento da doença. Não temos uma segunda alternativa, vamos precisar enfrentar essa realidade com as armas que temos. E quais armas nós temos? O que faremos com os nossos filhos? E com os nossos filhos autistas? Justo agora?

Nos fazemos essas perguntas a todo momento. Certamente, somos acometidos por angústia, desespero, choro e revolta. Por isso, é preciso encontrar formas criativas de nos conectarmos, resistirmos e compartilharmos experiências e solidariedade uns com os outros. Não apenas conexão por notícias trágicas, mas conexão pela vida.

A preocupação é necessária para tomarmos as precauções adequadas. Mas pânico paralisa: temos que buscar um meio-termo. Quando o pânico e o desespero chegarem, beba um chá, tome um banho morno e esqueça um pouco do problema, assistindo a uma série, lendo um livro ou jogando. O importante é ter momentos de desligamento ao longo do dia. Evite as notícias catastróficas nas redes sociais e se volte para as notícias referentes ao enfrentamento. Isso tudo porque, além das nossas inquietações, precisamos cuidar dos nossos filhos. Os pais, sobretudo aqueles que têm problemas emocionais, precisam de apoio também. Nessa fase de isolamento, psiquiatras e psicólogos estão se disponibilizando online. Há grupos que disponibilizam atendimento gratuito. Clínicas estão preparando programas para orientar pais de autistas em atividades para o período de isolamento.

As redes sociais também estão aproximando as pessoas neste momento. É importante manter contato com amigos, colegas, grupos de pais e com os profissionais que atendem seu filho, mantendo atividades de trabalho que possam ser feitas de casa. Vamos buscar organizar o nosso dia: o que fazemos de manhã, de tarde e à noite. Fazer uma agenda da semana organiza as atividades. Os autistas gostam de rotina, então crie novas rotinas em casa, estabelecendo o período de aprender, de lazer, de higiene, alimentação, atividade física e descanso. No período de aprender, organize as atividades da escola. No período de lazer, varie entre jogos de tabuleiro, momentos de culinária, de jogos digitais, filmes, artesanato e afins.

A crise atual exige união em busca do interesse coletivo, que é o combate ao vírus. Brigas e competições não vão ajudar agora. Temos, todos, um interesse em comum. Do confinamento, precisamos estar em contato com a vida, fazê-la “brotar”. Os jornais trazem notícias sempre muito dramáticas, porque a situação é dramática de fato. Mas a gente, que precisa reforçar o isolamento, pode trazer vida também. Tenho sugerido que aproveitemos este momento em casa para cultivar uma semente em um pequeno vaso para vê-la crescer. Essa semente vai nos mostrar, a cada dia, a força da vida, que brota sempre. Vamos juntos em frente, não há caminho de volta. Vamos juntos no coração e isolados por precaução.

Compartilhe:

2024 © Instituto Priorit - Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por UM Agência