Muitos pais de pessoas com autismo referem que a sua individualidade fica muito comprometida. Os pais despendem muita energia com a criança, de modo que lhes sobra pouco tempo para cuidarem das suas próprias coisas. Muitas mães revelam que o tempo despendido com os cuidados da criança autista não deixa espaço para cuidarem de si, para se aprimorarem profissionalmente, para o lazer, muitas vezes não podem sequer cuidar da sua saúde. Alguns pais se queixam de não terem tempo de se dedicar à busca de um emprego, ou para se aprimorarem mais profissionalmente. Outros revelam culpa por não poderem dedicar mais tempo ao filho, em função de precisarem trabalhar.
“Eu sou uma artista. Antes, eu fazia muitas exposições. Eu participei de muitos projetos. Eu tinha muitas ideias para serem desenvolvidas… Agora é muito, muito difícil de parar de pensar em minha filha… É quase impossível fazer um projeto meu.” (Fala de uma mãe)
Alguns pais revelam também impotência diante dos seus filhos autistas. O sofrimento da criança lhes parece contínuo e, ao mesmo tempo, não conseguem compreender este sofrimento, não conseguem consolar a criança, pois sequer sabem o que elas desejam ou o que as faz sofrer. Existe ainda a frustração pela falta de retorno emocional por parte da criança. Alguns pais se ressentem que o investimento que fazem com os filhos não tem retorno, nem afetivo e nem da evolução deles; sentem que a criança não troca, não há retorno, é apenas demanda o tempo todo. Os pais precisarão aprender a conhecer essa criança tentando entrar no mundo dela, percebendo as suas formas de comunicar, necessidades, insatisfações, desejos e amor. A criança autista ama e demonstra seu amor e suas preferências, apesar de nós não conseguirmos, a princípio, compreender a sua expressão. Uma criança tão diferente daquela que os pais esperavam precisa ser aceita como ela é, compreendida na sua forma diversa de se expressar. A partir da aceitação, os pais partem para enfrentar os desafios e realizações dessa maternidade/paternidade.
Por outro lado, uma mãe me revelou um incômodo singular em relação ao diagnóstico de autismo. Um incômodo com o conceito médico da doença, especificamente com o diagnóstico, na medida em que o diagnóstico de autismo pode ser percebido como “a retirada da identidade do seu filho”. Como se o diagnóstico impingisse às pessoas uma forma de enxergar o seu filho preestabelecida, não deixando espaço para que o filho tenha uma identidade própria. A fala dela nos faz refletir sobre o fato que nós profissionais e nós pais não podemos nos esquecer que os sintomas do autismo são parte de uma pessoa singular. É com essa pessoa que nós estamos lidando.
“Quando eu vi isso, eu pensei que significava que a criança que eu conheço hoje, as coisas que ele faz – alinhamento de brinquedos, ou correr olhando um objeto – tudo isso eram sintomas! Ele não era meu filho! Você vê, eu tive esse sentimento: ‘Então, quem é meu filho? Foi apenas uma lista de sintomas!’ Eu chorei, porque eu disse a mim mesma que finalmente nem sei quem é esse menino. No final, acabei vendo isso: sim, ele é autista, mas também é criança. Ele também tem personalidade própria. (…) Não é uma questão de vergonha, é mais uma questão de que eu não quero esse rótulo. Porque meu filho tem um nome. Uma vez que eu diga para alguém, por exemplo, que meu filho é autista, finalmente a primeira coisa que virá nessa cabeça não é ‘Esdras’ (o nome do seu filho), é ‘autismo’.”
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