Autismo para pais

Crianças especiais e a prevenção ao abuso sexual

Recentemente ocorreu um fato em meu consultório e eu gostaria de dividir com vocês, além de aproveitar para falar sobre um tema que, infelizmente, tem se tornado cada vez mais frequente em nossa sociedade.

Semana passada, estava consultando uma garotinha de 6 anos de idade, com diagnóstico de transtorno do espectro autista nível 1. Depois de conversar com a família, me levantei e coloquei a menininha sobre o maca para examiná-la. Em determinado momento do exame físico, fui erguer sua camiseta para colocar meu estetoscópio em seu peito, para auscultar seu coração.

Então eu disse:

– Linda, o tio Paulo pode colocar aqui embaixo da sua camiseta para ouvir seu coração?

Ela imediatamente colocou suas mãozinhas sobre as minhas, olhou para a mãe que estava ao lado e perguntou:

– Mamãe, o tio Paulo pode ver o “titi”?

A mãe deu uma risada, eu também, e então respondeu:

– Pode sim, mas só o tio Paulo e a mamãe podem ver o “titi”.

 

Bom, de noite, em casa, refletindo sobre aquilo que havia acontecido, eu percebi o quanto aquela mãe devia ter se esforçado para ensinar àquela menininha como agir exatamente naquela situação, exatamente naquele momento.

E, em seguida, pensei:

“Nós realmente precisamos falar mais sobre esse assunto com as nossas crianças, especiais ou não”.

Dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde apontam um aumento consistente no número de notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil nos últimos anos. Os dados apontam, ainda, que na maioria das vezes o abusador é conhecido da criança ou mesmo alguém da própria família.

Outro aspecto que chama a atenção, é que a violência sexual na grande maioria das vezes não ocorre de forma isolada, pelo contrário, ocorre de modo reiterado e recorrente.

A própria definição de abuso sexual infantil é ainda controversa, mas de um modo geral, podemos entender que qualquer tentativa de forçar ou coagir uma criança a participar de QUALQUER tipo de atividade sexual, mesmo que de forma indireta (como a exposição à materiais pornográficos ou manter comunicação por telefone ou internet com cunho sexual) deve ser compreendido como ABUSO SEXUAL.

Nas crianças neurotípicas, a prevenção do abuso sexual pode ser alcançada trabalhando questões mais complexas, como o conhecimento de seu próprio corpo, questões relacionadas ao gênero masculino e feminino e com a compreensão de aspectos culturais.

Contudo, nas crianças com transtorno do espectro autista ou mesmo com transtorno do desenvolvimento intelectual, trabalhar conceitos de sexualidade de maior complexidade pode ser impossível e infrutífero.

Desse modo, é preciso ensinar aos nossos filhos, mesmo para os pequenos, alguns pontos para que possam se proteger de possíveis abusadores.

Assim, gostaria de dar algumas dicas de como trabalhar esse assunto com as crianças com ou sem necessidades especiais:

 

  1. Tão logo a criança seja capaz de compreender, devemos nomear de forma específica cada parte do corpo, por que dessa forma ela será capaz de nos contar de forma clara caso alguém toque em seu corpo de modo inapropriado.

 

  1. Explicar de forma bem clara que NINGUÉM pode tocar em suas partes íntimas. Para que eles compreendam melhor, podemos explicar que algumas partes de nosso corpo são SECRETAS e por isso ninguém pode ter acesso à elas.

 

  1. Explicar que em nenhuma circunstância elas podem tocar nas partes íntimas de qualquer outra pessoas, mesmo que isso seja um PEDIDO dessa pessoa. Crianças especiais podem ser ingênuas e facilmente induzidas à tocar no corpo do abusador.

 

  1. Todas as pessoas que irão conviver com a criança devem ser cuidadosamente selecionadas. Adultos que se relacionem com a criança especial devem estar na posição de familiar, cuidador ou terapeuta. Caso a criança seja procurada por um adulto que não ocupe uma destas funções os pais devem ser comunicados para que chequem a natureza da relação.

 

  1. Tenha extremo cuidado com os meios de comunicação, particularmente com a internet, pois no ambiente digital as crianças podem ter acesso rápido à conteúdos pornográficos e são facilmente expostas à abusadores e aliciadores.

 

  1. Garanta à criança que jamais haverá qualquer tipo de repreensão ou punição caso ela conte à você que sofreu algum tipo de abuso ou situação desagradável junto a um adulto.

 

  1. Oriente a criança para que ela nunca aceite presentes de desconhecidos, para que jamais vá a casa de alguém sem o consentimento dos pais e para que nunca aceite caronas.

 

  1. Nunca deixe crianças especiais com pessoas desconhecidas nem mesmo por um pequeno período de tempo, pois qualquer lugar pode ser palco para a ação de um pedófilo.

 

  1. Oriente a criança para que caso ela tenha qualquer dúvida a respeito da forma como um adulto está se relacionando com ela, para que pergunte a você se aquilo é adequado.

 

  1. Mantenha uma relação de confiança com seu filho desde muito cedo e explique que não deve existir nenhum tipo de segredo entre pais e filhos.

 

O abuso sexual é grave e geralmente deixa marcas definitivas na vida da criança e do adolescente. É nossa OBRIGAÇÃO como pais, cuidadores, terapeutas e população em geral proteger as crianças, particularmente as especiais que representam um dos elos mais vulneráveis da sociedade.

Dr. Paulo Liberalesso 

 

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