Autismo para pais

Desenvolvimento típico e atípico da fala em crianças com TEA (Parte 1)

Uma das queixas mais frequentes de pais de crianças no TEA diz respeito ao atraso no desenvolvimento da fala.

Embora esse sinal seja bastante frequente nessas crianças, é muito importante sabermos que nem todos os autistas têm realmente comprometimento da fala e que muitos apresentam uma alteração tão sutil que pode passar despercebida durante muito tempo.

Por outro lado, atualmente, com a grande divulgação na mídia de assuntos relacionados ao autismo, muitos pais de crianças com atraso no desenvolvimento da fala logo imaginam que seu filho possa estar dentro do TEA… Mas calma lá! Esse assunto é complexo e neste texto pretendo dar algumas explicações que poderão nos ajudar a compreender quando devemos realmente nos preocupar com uma criança que está demorando para começar a falar.

Primeiramente, precisamos saber que “fala”, “linguagem” e “comunicação” são coisas muito diferentes. “Linguagem” é um conceito muito amplo da comunicação, que representa nossa capacidade de expressar ideias, emoções e vontades. A linguagem pode ser compreendida como o instrumento da comunicação oral e, através dela, somos capazes de desenvolver aspectos fonológicos (quando aprendemos a distinguir sons de letras e sílabas), pragmáticos (quando usamos a linguagem dentro de contextos sociais adequados), semânticos (quando aprendemos o significado das palavras) e sintáticos (diz respeito a nossa capacidade de organizar os termos de uma frase de forma correta, para que aquela frase faça sentido para os ouvintes).

A “comunicação” é um processo através do qual nos tornamos capazes de trocar informações através da fala, da linguagem e de mecanismos não-verbais, como gestos, olhares, toques, postura corporal, escrita, entre muitos outros.

Portanto, é perfeitamente possível alguém se comunicar sem nunca ter aprendido sequer uma palavra, pois podemos transmitir informações utilizando outros recursos que não a fala.

Contudo, sem nenhuma sombra de dúvida, a fala é o melhor e mais avançado mecanismo de comunicação, porque ela é rápida, precisa e dinâmica.

Sempre que estou explicando aos pais de meus pacientes por que se comunicar através da fala é importante, eu costumo dar o seguinte exemplo: tente me explicar, FALANDO, o que é um “livro”… Imediatamente, a pessoa diz algo assim: “Um livro é como um caderno, onde estão escritas palavras, textos, para que outras pessoas possam ler e aprender coisas”.

Então, logo na sequência eu digo: “Agora, imagine que eu nunca tenha visto um livro e, portanto, não faça a menor ideia de como é esse objeto. Então, tente me explicar o que é um livro utilizando somente GESTOS.”

Bom, nesse momento praticamente todas as pessoas dão um sorriso e dizem: “Ah, mas aí não é possível. Aí fica muito difícil!”.

Esse exemplo serve para que possamos compreender como é muito mais difícil a comunicação quando não somos capazes de utilizar o recurso da FALA. E eu digo isso aos familiares das crianças com TEA para que eles compreendam que teremos que empreender absolutamente todos os nossos esforços no sentido de que aquela criança desenvolva sua capacidade de se comunicar através da fala o mais precocemente possível.

Outro aspecto importante a ser considerado é o que chamamos de “janela de oportunidades”. Esse conceito foi desenvolvido com base em pesquisas que demonstraram que, nos primeiros anos de vida, as crianças têm uma capacidade muito maior para adquirirem determinadas habilidades, e a fala é uma delas. Assim, a janela de oportunidades para o desenvolvimento da fala se abre ao nascimento e começa a se fechar ao redor dos sete anos de idade. Ou seja: quanto mais uma criança se afasta dos sete anos de idade, mais difícil será ensinarmos a habilidade de falar a ela. E é exatamente por esse conceito científico da “janela de oportunidades” que o tratamento no TEA deve ser iniciado o mais precocemente possível.

Para que possamos perceber se o desenvolvimento da fala de uma criança está ou não comprometido, precisamos, primeiramente, conhecer como é o desenvolvimento normal.

Como nós já compreendemos que “fala” e “linguagem” são coisas diferentes, é fácil entendermos que uma bebê começa a se comunicar muito antes do surgimento das primeiras palavras, através do choro, do sorriso e de gestos. Bebês de desenvolvimento típico, desde as primeiras semanas de vida, devem se “comunicar” com os pais através do olhar, mas somente ao redor de 6 a 9 meses eles iniciam o balbucio de múltiplas sílabas de forma mais organizada, como “bababa”, “mamama”, “tatata”.

Pouco antes de um ano, o bebê deve ser capaz de gestos mais complexos e com significados sociais mais evidentes, como “dar tchau” e apontar para uma pessoa ou para um objeto que esteja querendo.

Como o desenvolvimento da fala é extremamente variável de uma criança para outra, podemos esperar o surgimento das primeiras palavras entre 12 e 18 meses. Ao redor de 18 meses, as crianças já podem falar entre 20 a 30 palavras. E, ao atingirem os dois anos de idade, devem estar falando de 80 a 120 palavras, iniciando a formação de frases elementares com duas palavras, como “dá suco”, “não qué”.

Em condições típicas, a partir de dois anos de vida, o desenvolvimento da fala ocorre de forma muito acelerada, podendo a criança aprender de 4 a 9 palavras ao dia, dependendo do meio social e cultural em que ela estiver inserida.

Um marco importante para o desenvolvimento da fala são os três anos de idade, pois nessa época a fala da criança já deve ser bastante parecida com a fala de um adulto, já que essas crianças devem ser capazes de montar frases mais complexas com diversas palavras, inclusive conjugando os tempos verbais, usando gênero masculino e feminino, o singular e plural, artigos e preposições.

Ainda pensando em um cérebro de desenvolvimento típico, a partir dos três anos de idade a fala evoluirá muito rapidamente com o aumento do vocabulário (número de palavras) e irá adquirindo toda a sua complexidade.

No próximo post, abordaremos algumas das atipias da fala em crianças com TEA.

 

Dr. Paulo Liberalesso, MD, PhD

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