Devido ao significativo aumento no número de novos diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA), esta condição rapidamente vem se tornando uma das mais pesquisadas por neurocientistas em todo o mundo.
Hoje, somos capazes de compreender muito bem os sinais e sintomas que devem estar presentes para que o diagnóstico seja realizado, assim como compreendemos melhor como o tratamento deve ser conduzido.
Contudo, uma pergunta permanece sem resposta: o que tem levado ao aumento no número de casos de TEA?
Vejam que não faz muito sentido simplesmente atribuirmos este fenômeno a causas genéticas e ponto final… isso não explica muita coisa, uma vez que algo deve estar acontecendo para que estas “causas genéticas” estejam se expressando de forma mais frequente nos dias atuais.
Bom, onde quero chegar?
No seguinte ponto: se há um “fator” ocorrendo no mundo que tem aumentado o número de novos casos de TEA, este “fator”, muito provavelmente, não está influenciando somente o aumento do TEA, mas sim de outras condições neuropsiquiátricas que também apresentam etiologia genética.
E há fortes indícios de que isso seja realmente verdade, uma vez que diversas outras condições neuropsiquiátricas também vem se tornando cada vez mais frequentes nas últimas décadas.
Isso se torna bastante claro quando analisamos a escalada da depressão em todo o mundo. Dados recentes da Organização Mundial de Saúde apontam que em 2020 a depressão será a doença mais incapacitante do planeta.
Quando analisamos o suicídio, constatamos que nunca tantas pessoas tentaram se matar como nos dias atuais. O suicídio é a segunda causa de morte mais frequente entre jovens no mundo e a terceira no Brasil.
E se analisarmos outras doenças neuropsiquiátricas como o TDAH, transtorno de humor bipolar, esquizofrenia e o transtorno obsessivo compulsivo, chegaremos a conclusão de que o aumento do TEA é somente uma pequena peça em um gigantesco quebra cabeças.
Diversos estudos tem demonstrado que um parcela significativa das pessoas com TEA apresenta outras condições comórbidas, ou seja, apresentam outras doenças neuropsiquiátricas associadas, o que pode indicar uma origem etiológica genética comum ou semelhante.
Ansiedade: é talvez uma das associações mais frequentes, ocorrendo em 40 a 60% das crianças com autismo. Algumas vezes pode ser difícil distinguir os sintomas do autismo e do transtorno de ansiedade, mas a agitação psicomotora, inquietude, impulsividade e medo excessivo e não justificado podem sugerir a presença de ansiedade.
TDAH: o transtorno do déficit de atenção e concentração compartilha algumas características semelhantes com o TEA, mas para quem tem experiência no atendimento destas crianças não é difícil perceber a diferença entre a alienação comportamental típica do TEA e os sinais de falta de atenção e concentração. Não há estudos ainda que permitam estabelecer a porcentagem de crianças autistas com TDAH, mas levantar esta suspeita é fundamental, pois, como sabemos, atualmente há excelentes medicações para controle dos sintomas do TDAH que pode melhorar significativamente a qualidade de vida destes crianças e de suas famílias.
Depressão: sintomas clássicos de depressão podem incluir falta de sono, perda do apetite, irritabilidade, choro imotivado, mau humor e tendência ao isolamento afetivo. Hoje nós sabemos que depressão é uma doença frequentemente diagnosticada em indivíduos com TEA, principalmente naqueles de alto funcionamento e que, justamente por esse motivo, tem a clara percepção de suas próprias dificuldades sociais.
Deficiência intelectual: diferentes estudos apontam números bastantes distintos a respeito desta comorbidade. A verdade é que não sabemos exatamente qual a porcentagem de indivíduos autistas que apresenta deficiência intelectual. Há pesquisas que falam algo em torno de 30 a 40% enquanto outras apontam 50 a 60%. Um aspecto muito significativo que devemos ressaltar é que talvez um dos pontos mais importantes no tratamento comportamental adequado de crianças com TEA seja justamente a possibilidade de AUMENTO de sua capacidade intelectual. Sim! Crianças autistas tratadas da forma correta, com as terapias corretas e na intensidade correta podem apresentar um aumento significativo de sua capacidade intelectual, o que representa mais autonomia, melhor rendimento escolar e mais habilidades para lidar com diferentes situações sociais e afetivas.
Por fim, quero lembrar que tão importante quanto fazer o diagnóstico precoce do autismo é identificar também precocemente estas e tantas outras comorbidades neuropsiquiátricas. Como eu sempre costumo dizer: “não existe tratamento pela metade, ou tratamos o indivíduo como um todo, ou não estamos dando o nosso melhor”.
Dr. Paulo Liberalesso, MD, PhD