Autismo para pais

Prematuridade, gestação e transtorno do espectro autista

Embora se trate de um dos temas mais estudados na última década pela neurociência, as causas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) permanecem não totalmente claras. Provavelmente, o TEA decorre de um somatório de diversos fatores, incluindo aspectos genéticos e fatores ambientais. Contudo, do ponto de vista neurobiológico, como exatamente estes fatores intrínsecos e extrínsecos interagem entre si provocando alterações funcionais no cérebro humano, permanece um mistério. Há alguns anos, complicações obstétricas e perinatais (que ocorrem próximas ao momento do nascimento) vêm sendo apontadas como fatores de risco para o desenvolvimento futuro de TEA, como por exemplo a asfixia fetal durante o trabalho de parto prolongado, complicações gestacionais, baixo peso ao nascimento e internamento prolongado em unidade de terapia intensiva nos primeiros dias de vida.
Nas últimas décadas, temos observado um aumento significativo nas taxas de sobrevida de recém- nascidos cada vez mais prematuros, graças às novas tecnologias empregadas na medicina neonatal. Se por um lado isto é fantástico, por outro passamos a nos preocupar com as repercussões neurológicas relacionadas à prematuridade.

Pesquisas de segmento clínico, que acompanham o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças ao longo dos anos, apontam que a prematuridade atuaria como um dos fatores de risco para TEA. Contudo, ainda não está claro se o autismo decorreria da prematuridade propriamente dita ou das comorbidades e complicações relacionadas a ela. Estudos em modelos animais demonstram que a asfixia fetal durante o trabalho de parto ou durante os momentos que cercam o nascimento provocam intensa ativação de sistemas dopaminérgicos cerebrais, exatamente a mesma alteração que é encontrada em diversas crianças com TEA e com estereotipias motoras e comportamentos ritualísticos-obsessivos.

Outro aspecto muito discutido na literatura atualmente é a relação entre o estresse materno durante a gestação, parto prematuro e autismo. Hoje, sabemos que o estresse físico durante a gestação pode provocar a produção excessiva no cérebro de uma substância chamada hormônio liberador da corticotrofina (CHR) capaz de ativar os mastócitos, que por sua vez ativam diversas citocinas pró-inflamatórias. Estes fenômenos inflamatórios desencadeariam uma cascata de eventos envolvendo o sistema imunológico, rompendo as barreiras hematoencefálicas e intestinal, possibilitando a entrada de moléculas neurotóxicas no cérebro do feto, seguida de inflamação cerebral e contribuindo para a patogênese do TEA.

Estes intrincados mecanismos fisiopatogênicos vêm sendo estudados, embora ainda não seja possível uma conclusão definitiva a respeito da relação causal entre estresse gestacional, fenômenos inflamatórios e o autismo. A idade materna também tem sido, ocasionalmente, implicada como um fator de risco para desenvolvimento de TEA uma vez que taxas aumentadas de anormalidades cromossômicas e modificações genômicas são mais frequentes em gestantes de idade avançada. Estas mulheres também apresentam perfis hormonais menos favoráveis durante a gestação, o que aumenta o risco de intercorrências obstétricas, parto prematuro e, indiretamente, agiriam como fator de risco para o autismo. Recentemente, nosso grupo de pesquisa realizou um estudo com crianças com diagnóstico de TEA (baseado nos critérios do DSM 5), analisando uma série de características clínicas relacionadas à gestante e ao recém-nascido. Neste estudo, fomos capazes de demonstrar que a PREMATURIDADE, o BAIXO PESO AO NASCER e a ASFIXIA PERINATAL atuaram como fatores de risco para o desenvolvimento futuro de TEA. Deste modo, é fundamental que crianças, prematuras ou não, egressas da UTI neonatal ou que apresentem qualquer um destes fatores de risco anteriormente descritos sejam rigorosamente acompanhadas quanto ao seu desenvolvimento social e verbal nos primeiros anos de vida.

 

Referências: Glasson EJ, Bower C, Petterson B, Klerk N, Chaney G, Hallmayer JF. Perinatal factors and the development of autism: a population study. Arch Gen Psychiatry. 2004;61:618‑27.

Schieve LA, Tian LH, Baio J, Rankin K, Rosenberg D, Wiggins L, et al. Population attributable fractions for three perinatal risk factor for autism spectrum disorders, 2002 and 2008 autism and developmental disabilities monitoring network. Ann Epidemiol. 2014;24:260‑6.

Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PBN. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Ver Paul Pediatr. 2017, 35(2): 130-5.

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