SUICÍDIO EM PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Luís Humbert Andrade de Lemos1, Rutelea dos Reis Barbosa2, Paulo Breno Noronha Liberalesso3.
Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2012, cerca de 800 mil pessoas cometeram suicídio, sendo este número, provavelmente, subestimado. Desde então, a OMS e a Organização Pan-Americana da Saúde passaram a incluir o suicídio como um grave problema de saúde pública e estabelecer sua prevenção como prioridade na gestão da saúde.
Em 2006, a OMS elaborou um manual intitulado “Prevenção para o suicídio. Um recurso para conselheiros”, no qual aborda diversos aspectos relacionados ao tema como o impacto do suicídio na sociedade, fatores de proteção e de risco, gestão e avaliação do comportamento suicida, além de temas mais específicos como o aconselhamento de crianças e adolescentes suicidas e populações especiais de risco para suicídio [1].
A elevada incidência de suicídio e de tentativas de suicídio atualmente fomenta pesquisas em todo o mundo sobre como prevenir e ajudar pessoas que apresentam ideação suicida ou que sobreviveram a uma tentativa de suicídio.
O questionamento que levantamos neste texto está relacionado, especificamente, ao comportamento suicida entre pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Buscamos, com base em pesquisas atuais, dados sobre a prevalência, fatores de risco, métodos utilizados e fatores de proteção.
Em uma pesquisa publicada em 2014 na Autism Research, as autoras Magali Segers e Jennine Rawana, da York University do Canadá, alertam para o fato de que é importante compreendermos os comportamentos suicidas dos autistas de modo distinto da população típica, pois pessoas com TEA interpretam e reagem a situações sociais e afetivas de forma diferente. Indivíduos autistas expressam de formas distintas as tendências suicidas quando comparados à população de indivíduos típicos. Podemos utilizar os comportamentos autolesivos como exemplo: quando abordamos o tema autoflagelação, não seria adequado admitirmos que todos os comportamentos autolesivos em autistas são parte constituinte de tentativas de suicídio. Já quando avaliamos indivíduos típicos, sabidamente comportamentos de autoflagelação correspondem a um critério de risco aumentado para suicídio. Outro exemplo seria as estereotipias motoras, que quando intensas e frequentes podem ocasionar lesões. Estas estereotipias podem estar sob controle de aspectos sensoriais e comunicativos deficientes ou mesmo sob controle da atenção de terceiros, não devendo estas lesões secundárias serem caracterizadas como fator de risco para suicídio, evidentemente. Portanto, para que possamos concluir a respeito do risco de suicídio, é necessário analisar funcionalmente os comportamentos que são relacionados a indicadores específicos de suicídio em indivíduos que estejam dentro do espectro do autismo [2].
Suicídio como uma das principais causas de morte prematura em autistas.
Em um recente estudo publicado em 2017, as pesquisadoras Sarah Cassidy e Jacqui Rodgers [3], da Coventry University do Reino Unido, relatam que o volume de pesquisas relacionado ao suicídio no TEA ainda é pequeno, mas que os dados preliminares desses estudos são alarmantes. Hirvikoski e colaboradores [4] reportaram que o suicídio é uma das principais causas de morte prematura de pessoas com TEA.
Estudo publicado na prestigiada revista Lancet Psychiatry em 2014, realizado com adultos com Síndrome de Asperger (atualmente classificados como transtorno do espectro autista nível 1), apontou que 66% dos participantes da pesquisa relataram pensar em suicídio e que 35% destes indivíduos tentaram suicídio em algum momento no passado. Na revisão de literatura conduzida por Segers e Rawana (2014), a média de comportamentos suicidas entre pessoas com TEA foi entre 10% e 50% [5].
Fatores de risco para suicídio no transtorno do espectro autista.
Diante desses dados, a grande preocupação dos pesquisadores da área é entender quais seriam os indicadores de risco para suicídio mais confiáveis em pessoas autistas, com o objetivo de prevenir tais episódios. Sabidamente, a investigação e a abordagem clínica em indivíduos com TEA necessita de profissionais especializados e com amplo conhecimento e experiência no tema, uma vez que pessoas com TEA apresentam significativa dificuldade de relacionamento social e expressão de sentimentos.
Em 2014, Richa e colaboradores [6] reportaram em um artigo de revisão os principais fatores de risco relacionados ao suicídio em indivíduos autistas, sendo estes:
Segundo estes mesmos pesquisadores, alguns fatores demonstram baixa correlação com suicídio em indivíduos com diagnóstico de TEA, tais como:
A comorbidade entre TEA e sintomas psicóticos, transtornos de personalidade e transtorno generalizado de ansiedade, são relatados como fatores de risco por alguns pesquisadores, embora este aspecto ainda seja controverso na literatura [6]. Uma das possíveis explicações para o elevado e crescente número de suicídio em indivíduos com TEA resida no fato de estas pessoas visitarem menos frequentemente os serviços de saúde que, habitualmente, rastreiam sinais clínicos de suicídio. Outro aspecto que deveríamos considerar é que estressores poderiam ter impacto de forma diferenciada em indivíduos típicos e em atípicos [2].
Métodos utilizados na tentativa e no suicídio em pessoas com TEA.
Em 2014, Segers e Rawana [2] publicaram na Autism Research um artigo de revisão no qual relatam que os métodos utilizados por indivíduos autistas nas tentativas de suicídio são mais efetivos quando comparados com a população de pessoas de desenvolvimento comportamental típico. Os métodos também tendem a ser mais violentos, destacando-se:
Prevenção e considerações especiais aos profissionais e familiares.
Com o crescente número de diagnósticos de autismo e com o alarmante aumento no número de casos de suicídio nesta população, torna-se de extrema importância avaliar criteriosamente estes indivíduos, particularmente após os 10 anos de idade, quanto a presença de fatores de risco para suicídio. Durante a consulta, este assunto deve ser claramente abordado quer com a pessoa com autismo quer com sua família, uma vez que não se trata de uma queixa que naturalmente os pacientes e nem seus familiares tragam de forma espontânea.
Embora poucos fatores de proteção tenham sido alvos de pesquisas e descritos na literatura, podemos elencar como fatores capazes de diminuir o risco de suicídio:
Podemos, intuitivamente, inferir que outros fatores de proteção ao suicídio que estão presentes na população geral podem dar bons insights em relação ao TEA, como o medo da morte, espiritualidade, comprometimento religioso e participação ativa no tratamento.
É unânime na literatura a recomendação de que profissionais capacitados e familiarizados em realizar entrevistas e avaliações com pessoas diagnosticadas com transtorno do espectro autista sejam solicitados para auxiliar nos processos de avaliação de risco de suicídio. Tal sugestão se relaciona diretamente à necessidade de profissionais com experiência em entrevistar e se relacionar com pessoas que, por excelência, apresentam como característica principal uma dificuldade de comunicação e interação social.
O fomento às pesquisas e divulgação de materiais relacionados à experiência com tratamento destas questões é necessário para possibilitar maior acesso a informações essenciais na identificação e prevenção de suicídio em pessoas diagnosticadas com TEA. O envolvimento dos setores governamentais (por se tratar de grave problema de saúde pública) e não governamentais, assim como de familiares, cuidadores e profissionais da saúde, deve ser considerado essencial para ações efetivas junto às populações mais vulneráveis, como a população com TEA.
Referências:
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