O movimento é o denominador comum de qualquer atividade humana. Nessa perspectiva, torna-se evidente a importância da exploração sensório-motora desde a primeira infância. Pensando nessa necessidade realizamos no Instituto Priorit a aula Dança Aplicada para que crianças e adolescentes autistas possam experimentar as múltiplas possibilidades de seu corpo.
A dança oferece dispositivos de diferenciação da existência, produzindo novas sensações que não se caracterizam pela aprendizagem de passos, mas pela exploração de gestos constituidores de sujeitos. Esta proposta se alia ao processo terapêutico ocupacional, pois a construção de laços, contornos e formas com a dança é primordial para potencializar o fazer consciente, as ações da criança nas atividades da vida diária, na integração dos sistemas e no aprimoramento da praxis (ideliazar, planejar e executar).
Neste texto, abordaremos o fazer cotidiano da Dança Aplicada, algumas possíveis atividades e os benefícios no tratamento do autismo a partir da perspectiva da própria dança e da Terapia Ocupacional.
As aulas de dança do Instituto Priorit são compostas por 4 momentos: a chegada, momento de acolhimento do corpo através da experimentação sensorial; a exploração do movimento global e das partes do corpo; a exploração do mover em conjunto com o grupo; e o relaxamento.
Com o objetivo de colocar as crianças e adolescentes autistas em contato com seu próprio corpo, propomos a estimulação sensorial tátil, utilizando o toque das mãos e de diferentes objetos com múltiplas texturas, cores e tamanhos. A partir dessa experiência vai-se criando um contorno de si, auxiliando na compreensão do esquema corporal e na conscientização do corpo, o que inaugura um processo de despertar-se, acordando a pele e colocando-se em estado de presença e atenção, por ampliar o funcionamento dos milhares de micro-sensores que constituem esse órgão.
Através do tato sentimos e aprendemos o mundo. A pele estimulada é fundamental no desenvolvimento de outros sentidos e outros sentires, como as sensações de ser, estar e criar no mundo. Ou seja, criamos sentido de mundo a partir do que tocamos, dos contatos que estabelecemos com os outros e com o ambiente.
[…] a estimulação cutânea nas variadas formas em que a recebem os recém-nascidos e os jovens é de importância primordial para a saúde do desenvolvimento físico e comportamental. Parece provável que, no tocante aos seres humanos, a estimulação tátil seja de significado fundamental para o desenvolvimento de relacionamentos emocionais e afetivos saudáveis (…). (MONTAGU,1988 apud TORRALBA,2009:72)
A estimulação sensorial é realizada dentro do que é possível para cada corpo, sempre tentando ampliar os limites desse possível. Com o corpo organizado motora e sensorialmente, a criança desperta para o sensível, não apenas no sentido sensorial, mas no sentido de perceber os afetos do mundo, se deixar tomar por esses afetos e produzir afetos.
Com o intuito de proporcionar espaço para que as crianças e adolescentes se descubram enquanto corpo a partir de suas possibilidades de movimento, realizamos gestos de partes isoladas do corpo, como mãos, pés, braços, pernas, coluna e cabeça; articulação por articulação, num processo de investigação de si.
Além de auxiliar no desenvolvimento da coordenação motora fina, da percepção postural, da mobilidade articular, e na aquisição de força, esse processo permite que o sujeito tome consciência de si conhecendo-se parte a parte, para que possa consequentemente reconhecer-se integralmente.
A consciência do próprio corpo é o elemento mais importante para a exploração plena do movimento na dança e também nas atividades da vida diária, sendo um princípio básico para a realização habilidosa de ações cotidianas como, por exemplo, caminhar em espaços públicos.
As crianças e adolescentes autistas experimentam de maneira lúdica atividades motoras como por exemplo, crescer e diminuir, deitar e levantar, segurar e soltar, tocar e retrair, afastar e juntar, saltar e cair, puxar e empurrar. São convidadas a explorar através de brincadeiras as qualidades de movimento de ações básicas que utilizamos, também, nas atividades diárias: pressionar, torcer, chicotear, socar, flutuar, espanar, deslizar, pontuar.
Explorar o movimento de diferentes maneiras, ritmos, tamanhos, formas, posturas, bases, níveis, direção, sentido, amplia o vocabulário gestual, bem como a expressividade e a criatividade. Por isso propomos também a experienciação de grandes movimentos, os movimentos globais, que além de colocar o corpo na relação com ele mesmo, coloca-o na relação com o espaço. Dessa forma as crianças e adolescente podem aprender a reconhecer sua estreiteza e amplitude e aprender a explorar e se deslocar no espaço.
A dança convoca o corpo em sua sensorialidade, a vivenciar estímulos proprioceptivos em atividades como, por exemplo, rolar; e táteis e de equilíbrio, quando os deslocamentos se dão em cima de almofadas ou outros objetos. Na Terapia Ocupacional, através do método de Integração Sensorial, a criança integra essas sensações vivenciadas na dança que se tornam ações concretas organizadas e percebidas pela criança e que a habilitam a realizar atividades no ambiente escolar, como escrever, recortar; ou em casa, como vestir-se, alimentar-se, entre outras. São ações que auxiliam na maturação do sistema nervoso central e capacitam a criança a construir respostas adaptativas para uma melhor conexão com esses ambientes.
Como consequência da investigação dos grandes movimentos na dança, a criança desenvolve coordenação motora ampla, força, agilidade, equilíbrio, flexibilidade e principalmente maneiras de habitar e vivenciar o espaço no qual se encontra. Essa aprendizagem da dança com enfoque terapêutico tem como principal interesse ensinar as crianças e adolescente autistas a viver, mover e expressarem-se no ambiente que rege sua vida. Compreendendo a importância da interação com o outro para isso, construímos propostas, que complementem as atividades com foco no desenvolvimento individual, que implicam em estabelecer relação entre os participantes da aula.
Com o intuito de criar trocas intensas e criativas entre as crianças e adolescentes, as atividades em grupo se utilizam do corpo, do movimento, do espaço e do tempo para estimular o contato entre eles, provocando relação de cooperação, cuidado e colaboração, produzindo o senso de coletividade.
Todos são estimulados a olharem uns para outros, a imitarem movimentos, a complementar gestos, a criar ações juntos, convocando cada um a perceber o outro em suas habilidades, dificuldades, prazeres, incômodos. Assim, as crianças aprendem a ter escuta e a respeitar a si e ao outro, percebendo os afetos que compõem o grupo e produzindo relações mais solidárias e empáticas entre as crianças.
Todas essas conquistas que se dão ao despertar do corpo, as descobertas, aprendizagens, criações e relações se sedimentam no corpo ao fim da aula, quando os sujeitos lentificam e pausam os movimentos, diminuem o ritmo e voltam a atenção para a pulsação e a respiração.
Concluímos assim que a sensibilização através dos gestos vão integrar a consciência dos movimentos que estão repletos de memórias e experiências sensíveis. As ações estão integradas no corpo como memória, não só do fazer enquanto sequência das etapas das atividades, mas enquanto experiências que passam a constituir repertórios gestuais com qualidades expressivas a serem experenciados na vida, não apenas no espaço terapêutico.
A dança possibilita um dialogo de afeto na intervenção da Terapia Ocupacional, o que afeta, transborda de dialogo, de novas percepções de mundo, do despertar consciente das ações e de transformações no cotidiano das crianças e adolescentes autistas. São essas delicadas coreografias que se produzem na interface da dança e da Terapia Ocupacional.
Referências bibliográficas:
ALMEIDA, M.V.M. Corpo e arte em Terapia Ocupacional. Rio de Janeiro: Enelivros, 2005.
LIBERMAN, F. Delicadas coreografias: instantâneos de uma Terapia Ocupacional. São Paulo: Summus, 2008.
MIRANDA, Regina. O movimento expressivo. Rio de Janeiro: Funart, 1979.
TORRALBA, Ruth. Sensorial do corpo: via régia ao inconsciente.2009. Dissertação de mestrado em Psicologia. Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói.
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