A coluna desta semana nasceu do belo discurso proferido por nossa querida Cláudia Moraes, na audiência pública na Alerj, no último dia 09 de Maio.
Em dado momento de seu pronunciamento, ela mencionou o fato de que muitas vezes disseram aos pais da também querida Marlice Zonzin que sua filha autista era invisível, pois era desta forma que os autistas eram (des)conhecidos.
Estas palavras me instigaram e, devo admitir, me levaram a uma reflexão à respeito.
Desta forma, listei alguns possíveis motivos que podem ter gerado na sociedade, ainda que de foram indireta, esta ideia de “invisibilidade”.
O principal motivo, sem dúvida, se deve ao fato de que o Autismo, ao contrário de muitas outras síndromes e patologias, não fornecer a seus portadores características físicas ou até mesmo marcas de nascença que possibilitem “mostrar” ao mundo que aquela pessoa é “diferente”.
Infelizmente ainda faz parte de nossa cultura a ideia errônea de que a deficiência precisa ser aparente, para que possamos nos solidarizar com o sofrimento alheio.
Experimente atravessar um shopping com uma criança autista que esteja tendo uma crise comportamental. Provavelmente, você e sua criança serão recebidos com olhares de reprovação, do tipo “menino mal criado” ou ainda “se fosse meu filho, eu tomaria uma atitude!”.
Agora repita a mesma experiência com uma criança que tenha qualquer outra síndrome que se faça aparente fisicamente. As reações serão totalmente opostas! Vocês receberão sorrisos de compaixão, compreensão e complacência.
Perdi a conta de quantas vezes expliquei que meu filho era autista e quando eu o apresentava às pessoas era nítida a reação de frustração que elas tinham ao se deparar com ele. Ficavam observando o menino, dos pés à cabeça, na tentativa de encontrar pelo menos alguma “coisa” fora do lugar, na necessidade premente que tinham de encontrar um “ser diferente ”
“Ah , mas ele é tão NORMAL…” é uma frase que, tenho certeza, muitas de vocês já se cansaram de ouvir, assim como eu.
O desapontamento é frequente também quando as pessoas me perguntam sobre a habilidade especial que meu filho, supostamente, teria.
Novamente sei que vou decepcioná-las, pois meu filho não faz nada de excepcional.
Obviamente, existem pessoas e crianças com TEA que possuem habilidades extraordinárias, seja para desenhar, memorizar ou tocar algum instrumento, mas apenas 10% dos autistas apresentam estas habilidades.
Meu filho é apenas e tão somente um lindo menino autista, na simplicidade de seus 9 anos de vida!
O segundo motivo pelo qual nossos filhos parecem ser invisíveis: a falta de estatísticas oficiais em nosso país faz com que não saibamos ao certo o número real de autistas brasileiros.
Recentemente, em uma reunião sobre o aumento crescente e alarmante do índice de crianças com Autismo, citei os dados do CDC (Center of Disease Control and Prevention – Centro de Controle e Prevenção de Doenças), órgão norte-americano que faz pesquisas anuais sobre o Transtorno.
Causou surpresa aos presentes o fato de eu citar dados que não refletem a realidade de nosso país. Quando questionada sobre o motivo, não titubeei em responder que era pelo simples fato de NÃO possuirmos estatísticas do governo brasileiro.
A necessidade de termos estes números é mais importante do que possamos imaginar!
Porque quando tivermos estes dados (que serão gerados em grande parte pela implantação do diagnóstico precoce), os números alarmantes falarão por si só e se tornarão uma realidade, exercendo pressão sobre as autoridades e, automaticamente, gerando a demanda do atendimento especializado, tratamento multidisciplinar e medicamentoso (quando necessário!) e políticas públicas de inclusão.
Como consequência direta, nossos filhos sairão deste quadro de invisibilidade em que se encontram…
O último ponto crucial e talvez, quem sabe, o mais nevrálgico desta questão, em minha humilde opinião, se refere às famílias dos portadores de Autismo.
Todos nós sabemos o quanto é difícil e espinhoso receber um diagnóstico de Autismo. Igualmente doloroso é aceitá-lo.
E aceitar consiste também em assumir o Autismo de seu filho; assumir que seu filho tem uma condição diferenciada sim, mas que isto, de forma alguma, o torna inferior.
Há anos atrás, quando tivemos o diagnóstico do JP, algumas pessoas sugeriram que eu não comentasse com ninguém sobre sua condição. E eu questionava o porquê de eu não poder assumir o Autismo de meu filho! Ser diferente era um crime e estávamos condenados a uma vida de mentiras e aparências?
Decidi, apesar de toda a dor que esta decisão me causou em um primeiro momento, ASSUMIR! Para usar uma expressão de cunho popular: “decidi sair do armário”.
E, para minha surpresa, doeu muito menos do que eu imaginava! Foi libertador experimentar a luz da Verdade!
E passei a “cobrar” das pessoas e da sociedade em geral não a piedade, pois não somos dignos de pena, mas o RESPEITO que meu filho MERECE ter, bem como qualquer cidadão brasileiro.
E é por isso que insisto tanto na ACEITAÇÃO por parte da família. Sei que não é uma tarefa fácil, longe disso. Mas os maiores beneficiados por esta aceitação somos nós mesmos e nossos filhos!
Diariamente eu fico imaginando o esforço sobre-humano que as pessoas com autismo, independente do grau dentro do espectro, fazem para viver em nossa sociedade, em um ambiente estranho, barulhento e muitas vezes ininteligível para elas, e concluo que se nós matamos um leão por dia, nossos filhos lutam MUITO mais por sua sobrevivência!
E por isso tudo temos que ter orgulho do enorme esforço diário que eles empreendem também, lutando para viver e conviver em um mundo que lhes parece totalmente inóspito, na grande maioria das vezes.
Para que eles deixem de ser invisíveis, precisamos abrir a porta do armário e jogar fora a chave para NUNCA mais retornarmos…
No decorrer de nossa ainda recente caminhada, me deparei com algumas famílias que escondiam a real situação de seus filhos. A cada comportamento inadequado ou diferenciado daquelas crianças, inventavam uma justificativa e quando não havia mais o que justificar, se trancafiavam em seus lares, verdadeiros reféns de sua incapacidade de aceitação. Tentavam, desesperadamente, justificar o injustificável. Não percebiam que a verdade saltava aos olhos de todos.
Entretanto, é completamente compreensível o que motiva este comportamento. É o receio de ver seus filhos sendo vítimas do preconceito cruel por parte de certos segmentos da sociedade. E este receio NÃO é irreal! É legítimo, sem dúvida, pois infelizmente o preconceito existe.
Eu mesma vivi alguns destes momentos, tentando justificar os comportamentos de meu filho. Assim sendo, não estou de forma alguma querendo julgar estas famílias, pois esta atitude não cabe a mim nem a ninguém, afinal não somos donos da verdade. Sei o quanto é DIFÍCIL.
Porém, quando olhava nos olhos destes pais e mães, eu podia ver a DOR e o SOFRIMENTO que cada desculpa inventada causava em seus corações, destroçando-lhes suas almas.
Sabemos que nossos filhos são verdadeiros Super-heróis, mas este “poder da invisibilidade” não é o que queremos para eles.
Queremos que eles sejam vistos, respeitados e aceitos. Para isso, temos que fazer nossa parte, informando , conscientizando, fazendo o nosso trabalho de casa, mesmo que de formiguinha.
E, se acaso nossos esforços de conscientização não produzirem o efeito esperado em algumas pessoas, devemos seguir adiante com nosso trabalho e lamentar.
LAMENTAR ??? Lamentar sim. Não por você e pelo seu filho, de forma alguma! Lamentar pela incapacidade destes indivíduos de abolir seus próprios preconceitos e de rever seus valores. Desta forma, o que eles pensam sobre nós ou sobre nossos filhos, não nos importa e muito menos nos pertence, graças a Deus!
Nossos autistas estão em nosso seio familiar e em todos os segmentos da sociedade. Não é mais aceitável que eles sejam considerados invisíveis. Não permitamos mais esta situação.
Já passou da hora de mudarmos este cenário.
Denise Aragão
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