Mais um dia cansativo, de uma semana exaustiva. Para completar o panorama, ficamos todos resfriados…
A sensação que tive foi a de que matei mais de 100 leões por dia À UNHA, esta semana.
Ansiando pela chegada da noite, quando poderei enfim descansar, inicio nosso ritual noturno: escovar os dentes, pôr o pijama, dar a medicação habitual acrescida da medicação para a gripe, além da nebulização.
“Graças a Deus, João Pedro não está com febre”, penso com meus exauridos botões…
Verifico a temperatura do Jorge. Igualmente sem febre. Vitamina C e repouso é uma receita infalível para curar gripes e resfriados, desde o tempo da vovó.
João Pedro, enfim, adormece. Posso então me deitar. Sinto calafrios …O corpo dói, a cabeça lateja … Será possível que EU esteja com febre?
Duvido, acreditando na crença de que sou a Mulher Maravilha. Mas o termômetro desmente a minha pretensão e meu corpo dá sinais da minha falibilidade…
Procuro um remédio para a febre. Afinal, mãe tem que melhorar rápido, não se pode dar ao luxo de ficar doente.
Engulo o medicamento com rapidez, na ânsia de que quanto mais rapidamente for tomado, mais rápido fará efeito.
Me deito e quase que imediatamente caio em um sono profundo, não sei se motivado pelo cansaço acumulado da semana, pela febre ou até mesmo pela ação do antitérmico.
Um último pensamento vem antes que eu adormeça de vez. Penso que as coisas poderiam ser um pouquinho mais fáceis, pelo menos às vezes…
Então me vejo em meu sonho. Estranhamente chego em casa e não me preocupo em tirar a chave e guardá-la em um local onde o JP não descubra. A chave fica ali, balançando, na porta da sala como a me desafiar…
Chego no quarto do João Pedro e lhe pergunto pelo seu boletim. Ele esconde com as mãozinhas e justifica a nota baixa em Matemática argumentando que as expressões numéricas eram muitas e que o tempo era curto. Chamo sua atenção e ele promete estudar.
Abre a mochila e pega o livro de Português, fazendo com muita habilidade a interpretação de texto.
Antes que eu possa ler o conteúdo da agenda com os recados da escola, ele enumera um a um, todos, sem esquecer nenhum. Pego a agenda e saio do quarto preocupada, sem saber ao certo por que…
A agenda da escola me informa que devo autorizar o passeio que a turma dele fará ao Museu. Antes que eu possa sequer perceber, já assinei a autorização. A sensação de angústia cresce em meu peito, embora eu continue desconhecendo a razão…
Sigo para o banho. Tomo meu banho tranquila e descansada, sem me preocupar com o horário. Da mesma forma, não preciso ficar o tempo todo aguçando meus ouvidos na expectativa de captar quaisquer ruídos diferentes.
Sinto-me cada vez mais estranha…
Na hora do jantar preciso pedir inúmeras vezes que JP pare de comentar sobre o placar do último jogo da seleção brasileira e se concentre em comer sua comida. Mal acabamos de jantar, ele me pede para cortar o cabelo com o mesmo corte do atual astro pop teen. Faço uma anotação mental para não me esquecer de marcar um horário no salão no próximo fim de semana.
O interfone toca, estridente, e me tira de minhas divagações. Um amiguinho do JP quer saber se ele pode descer para brincar. Argumento que já é tarde, mas ele pede, quase implora e acabo cedendo, dizendo a ele: “mas só por 20 minutinhos!”
Num piscar de olhos, JP está pronto, metido em seu uniforme do Flamengo. Escuto um “já tô indo, mãe!”, seguido do bater da porta. Como assim??? Ele vai sair sozinho???
Definitivamente, não me reconheço!!!
Corro para o espelho e me olho. Sou a mesma, mas não me identifico nem me reconheço naquela mulher que o espelho reflete… O que aconteceu? Por que estou tão angustiada?
Faltam 20 minutos para as nove da noite. Ele chega, vai para o seu quarto, e retorna já de pijama, dentes escovados para me dar um beijo de boa noite.
Antes de sair, me conta, em discurso repleto de gírias (próprias para um menino de 9 anos) que tem grandes chances de ser escalado para o time de futebol oficial da escola.
Enquanto ele se afasta , tudo fica MUITO claro em minha mente…
Não é a mim que eu não reconheço!
É este menino que eu não sei quem é!
Sou tomada por um desespero apavorante!!!
Corro por toda a casa buscando o MEU filho, o MEU menino!!!
Tento gritar, mas como em alguns sonhos, embora eu me esforce muito, não consigo emitir nenhum som…
As lágrimas rolam por minha face e tudo o que consigo pensar é no quanto eu desejo ter o MEU filho de volta!
Enfim, o tão esperado grito me resgata daquele torpor!
Desperto, banhada de suor… O antitérmico fez efeito, a febre baixou. Descubro que tudo não passou de um sonho, ou melhor dizendo, de um pesadelo.
Corro ao quarto dele, onde ele descansa tal qual um anjo, que ele realmente é.
É fato consumado que o Autismo me tirou um filho, não vou negar.
Mas também me deu outro filho, pelo qual me apaixonei, me dedico e não consigo imaginar minha vida sem ele.
Como seria o meu ” outro” filho?
Jamais saberei!!! Não tenho sequer vontade de imaginar, pois este filho que eu tenho eu aprendi a amar, a cuidar e a proteger mais do que a minha própria vida.
É por causa dele que já não deixamos as chaves na porta e nos preocupamos em colocá-la fora de seu alcance;
Ele é o motivo pelo qual meus banhos são rápidos;
Foi por ele que aprendi a aguçar meus sentidos auditivos para poder captar qualquer barulho fora do normal.
Mas é a ELE que eu amo!
E este amor, nada, ninguém, nem mesmo o Autismo, pode tirar de nós.
Respiro fundo e agradeço a Deus pelos filhos que Ele me deu, sabendo amar cada um deles com suas particularidades.
Denise Aragão
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