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Palavras podem ferir?

Samantha (nome fictício) acordou animada. Afinal, seu coração estava repleto de alegria: naquela manhã, iria iniciar uma nova atividade física. Para muitos, talvez, isso não fosse motivo suficiente para  tanta felicidade. Mas Samantha era uma mulher diferente da grande maioria das pessoas. Alimentava sonhos de fé e de esperança e sua alma se regozijava com as pequenas (grandes) conquistas diárias. É bem verdade que nem sempre havia sido desta forma;

Samantha tornou -se “diferente” depois que seu único filho recebeu o diagnóstico de autismo, pois a partir daí começou a enxergar a vida com os olhos do coração. Muito embora a convivência com o autismo tivesse sido difícil e cruel em inúmeros momentos de seu caminhar, a gratidão e o amor sempre haviam norteado seus passos durante todo este percurso. Nem mesmo a separação conjugal havia “endurecido” seu coração. Nunca abaixara a cabeça para o preconceito e a discriminação. Apesar disso, seu interior era frágil e delicado.

As pancadas de vida haviam criado uma espécie de “armadura”, que amortecia e repelia os “golpes”. Contudo, quando a adolescência chegou, ela percebeu que a sociedade podia ser ainda mais cruel com as diferenças, pois as atitudes diferentes de seu menino, que eram “toleradas” pelas pessoas quando ele ainda era criança, se tornaram duramente recriminadas na adolescência. Entretanto, foi capaz de superar mais esta difícil fase e, de uns tempos para cá, andava animada e esperançosa de viver dias melhores. E foi justamente assim, feliz e com fé na vida e nas pessoas, que ela acordou naquela manhã.

Rubens (nome fictício) também estava ansioso. Há muito tempo ele não assistia sua mãe se dedicando a uma atividade em benefício próprio. Seu ”pequeno gigante”, apelido carinhoso que ela deu ao filho que media 1.85 cm, entrou sorridente na sala de espera do Pilates e rapidamente começou a puxar papo com a recepcionista. Ele lhe fez diversas perguntas: qual era o nome dela, profissão e onde morava, e da mesma forma, disse seu nome, o nome de sua mãe e informou que sua mãe era professora.

Para Samantha, era impossível não sentir uma ponta de orgulho ao presenciar seu filho vencendo as limitações do autismo, interagindo e socializando de forma espontânea e apropriada com os demais. Mas a alegria dela durou pouco.

Ao seu lado, uma senhora, abordando a professora, perguntou:
” Este rapaz é doente, não é?”

A professora e a recepcionista se olharam, assustadas e constrangidas.

Rapidamente, numa clara tentativa de encerrar comentários como aquele, a professora respondeu que o rapaz era filho da moça que estava sentada ao seu lado.

Sem manifestar qualquer constrangimento, a senhora emendou:
“Que pena! Um rapaz tão bonito!”

Nem mesmo em seus piores pesadelos, Samantha havia imaginado passar por uma situação como aquela. Com os olhos rasos d’água, sentiu uma vontade imensa de pegar seu filho e desaparecer imediatamente daquele lugar e dos olhares e comentários maledicentes daquela criatura. Entretanto, sabia que uma situação grave como aquela não poderia ficar sem resposta. Assim sendo, reuniu forças de onde nem sabia que tinha e disse, calmamente, que seu filho não era doente, era saudável e que, principalmente, era muito mais educado do que ela.

Dito isso, pediu desculpas à professora e junto com seu filho, saiu de lá.

Mal deixou a sala, Samantha desabou em um pranto sofrido e doloroso. Não imaginava que, nos dias de hoje, ainda seria possível encontrar pessoas como aquela senhora, capazes de comentários cruéis, desnecessários e totalmente preconceituosos! Seu peito ficou pesado e nem mesmo a “armadura” foi capaz de impedir que o golpe atingisse em cheio sua alma e seu coração.

Infelizmente, a história relatada acima é real, apenas os nomes dos personagens foram trocados.

Por mais absurda que esta situação possa lhe parecer, é muito comum encontrarmos no cotidiano, pessoas que agem de forma lamentável, proferindo comentários que machucam e ofendem às mães de pessoas com necessidades especiais. Muitos daqueles que fazem esses comentários usam em sua defesa o argumento de que a pessoa autista não traz no rosto sua deficiência. Sim, o autismo é um transtorno que, se não tiver alguma outra patologia como comorbidade, não tem características físicas. Entretanto, não podemos (e NÃO devemos!) sair com nossos filhos na rua, empunhando cartazes ou “letreiros luminosos” informando a condição de nossas crias.

Existe ainda uma outra desculpa recorrente e ainda mais pavorosa do que a anterior: alguns dos ofensores justificam seus comentários desta forma: “ah, ele não entende nada mesmo!”

Os inúmeros estudos e pesquisas realizados trouxeram evidências que afirmam que autistas compreendem o que lhes é dito e que apenas em alguns casos não conseguem verbalizar suas sensações e sentimentos, o que torna ainda mais cruel a pseudo-justificativa do parágrafo anterior.

Deixo o seguinte apelo a todos: se não souber o que dizer, apenas silencie.

As chances de seu silêncio ofender são infinitamente menores do que as chances de um comentário infeliz e preconceituoso deixar cicatrizes profundas na alma de uma família.

A pessoa à sua frente é diferente e você não sabe como agir? Aja com naturalidade, sem ficar olhando fixamente ou desviando o olhar de forma constrangida.

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não exigimos que as pessoas “adivinhem” que nossos filhos têm autismo; mas exigimos RESPEITO e educação. E JAMAIS desistiremos de lutar por isso.

Denise Aragão

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