Teoricamente, o desfralde corresponde ao momento em que as crianças estão prontas para abandonar as fraldas e controlar adequadamente os esfíncteres (músculos) que impedem a eliminação de urina e fezes de forma involuntária.
Biologicamente, poderíamos entender isso da seguinte forma: em condições normais, após determinada idade, alguns músculos de nosso corpo deveriam ser capazes de manter a urina dentro da bexiga e as fezes dentro das porções finais do intestino até que comandos provenientes do sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) provocassem o relaxamento destes músculos e a expulsão da urina e fezes.
Portanto, como o ato de urinar e defecar está em grande parte sob controle do sistema nervoso central, bebês pequenos que ainda tenham o cérebro imaturo serão incapazes de controlar a micção e a evacuação.
Então, se estivermos pensando em uma criança com o desenvolvimento neurológico típico, tão logo seu sistema nervoso consiga controlar esses fenômenos, esta criança estará pronta para o desfralde e esse ocorrerá de forma natural e, geralmente, rápida.
Crianças a partir de dois anos de idade começam a reconhecer melhor o seu próprio corpo e ter algumas noções a respeito de independência. É justamente por esse motivo que após os 2 anos e meio de idade a maioria das crianças estará pronta para deixar definitivamente as fraldas.
Contudo, em situações atípicas de desenvolvimento neuropsicomotor, o sistema nervoso central pode precisar de mais tempo para ser capaz de controlar o processo da micção e da evacuação e isso pode tornar o desfralde um grande desafio para pais e até mesmo para os profissionais que lidam com essas crianças.
Para quem não convive com crianças com necessidades especiais, pode ser difícil compreender toda a dimensão do problema que é não conseguir desfraldar uma criança no tempo correto. Além das dificuldades inerentes ao fato de termos que utilizar fraldas em uma criança mais velha, devemos lembrar que há questões culturais e sociais envolvidas, que também podem incomodar e trazer angústia aos familiares.
Um aspecto importante e que pode nos ajudar a perceber se a criança já tem a maturidade necessária para o desfralde são os comportamentos emitidos pela criança no momento em que está urinando ou evacuando na fralda. Então, crianças que demonstram fisicamente que estão evacuando na fralda, por exemplo, ficando paradas ou mais quietas em um canto da sala, flexionando as perninhas, agachando no chão ou batendo as mãos na fralda, geralmente apresentam condições para o desfralde.
Outro aspecto importante que devemos analisar é o intervalo entre as micções. Crianças que conseguem urinar volumes maiores com intervalos maiores (por exemplo: conseguem permanecer de 3 a 4 horas com a fralda seca) geralmente são aquelas que estão prontas para deixar a fralda.
Observar o comportamento da criança quando ela está com a fralda com xixi ou cocô também pode nos ajudar a saber se o momento de retirar as fraldas chegou. Se a criança é capaz mostrar sinais de desconforto ou irritação pela fralda estar suja, isso é um forte indício de que o momento do desfralde chegou. Outro aspecto comportamental importante é que nesse momento a criança não apresente nenhum nível de resistência para se sentar no vaso sanitário e que não tenha medo de estar dentro do banheiro. Sei que isso parece estranho de ser dito, mas muitas crianças, por não compreenderem exatamente as funções do banheiro, acabam achando esse local um ambiente um tanto assustador e desconfortável.
Para que o desfralde ocorra com sucesso, a criança deve ter também um desenvolvimento cognitivo suficiente para compreender que há um local na casa (banheiro) que nós destinamos exclusivamente para os momentos de higiene pessoal e que esse é o local correto para que ela faça xixi e cocô quando sentir vontade. Essa maturidade cognitiva também fará com que a criança passe a perceber os sinais em seu próprio corpo que indicam que é o momento de fazer xixi ou cocô, para que ela possa sinalizar ou pedir auxílio aos pais.
O desfralde na criança com transtorno do espectro autista (TEA) ou com qualquer outra condição que provoque atraso do neurodesenvolvimento pode representar um desafio para as famílias e é fácil entendermos por que isso ocorre… Sabemos que todo o comportamento humano é aprendido através de fenômenos de cópia e com o “ato de usar o banheiro” não é diferente. Ou seja, as crianças NORMALMENTE deveriam aprender a usar o vaso sanitário, a pia, o chuveiro etc. observando e copiando esse comportamento de outros seres humanos. Mas, como nós também já sabemos, os mecanismos neurológios que possibilitam as cópias de comportamento social e verbal nas crianças autistas podem ser significativamente comprometidos. Assim, com muitas crianças autistas precisaremos nos esforçar mais e, algumas vezes, utilizar algumas técnicas específicas para possibilitar o desfralde.
Minha ideia com este texto é passar algumas dicas básicas, mas que podem ajudar demais nesse processo, tenha você um filho neurotípico ou com alguma alteração do desenvolvimento neuropsicomotor. Aliás, chamo a atenção que estas dicas servem também para crianças em outras condições que podem dificultar o desfralde como a paralisia cerebral, atraso global do desenvolvimento, transtorno do desenvolvimento intelectual, com determinadas síndromes genéticas com impacto sobre o desenvolvimento cognitivo e intelectual etc.
Dica 1: a mais básica de todas… NÃO TENTE desfraldar seu bebê antes que ele tenha maturidade para isso. Lembre-se: pouquíssimas crianças ficarão longe das fraldas antes dos 2 anos de vida. Tentativas muito precoces de desfralde provavelmente irão falhar e podem dificultar o processo no futuro. Portanto, tenha paciência e aguarde o momento correto.
Dica 2: tenha certeza de que o bebê não apresenta nenhuma doença física que possa estar dificultando o desfralde, como um quadro de infecção urinária ou alguma alteração anatômica do sistema urinário.
Dica 3: como nós já sabemos que as crianças aprendem por imitação, permita que o bebê observe quando algum irmão, pai ou mãe estiver utilizando o banheiro. Isso fará com que esse momento se torne algo muito mais natural para ele. Essas técnicas de modelagem (criar modelos a serem seguidos pela criança) ajudam demais e podem encurtar o processo de desfralde.
Dica 4: quando você for fazer a transição da fralda para o banheiro, tente não utilizar o penico e sim o vaso sanitário com assento redutor de tamanho. Nós sabemos que muitas crianças autistas têm uma grande dificuldade para generalizar comportamentos (ou seja, utilizar o mesmo comportamento em situações diferentes daquelas que foram treinadas). Desse modo, se você faz uma transição da fralda para o penico é possível que haja novas dificuldades quando for fazer a transição do penico para o vaso sanitário. Outro aspecto importante é que se a criança permanecer por muito tempo utilizando o penico, acabamos criando um novo problema, pois, como não temos esse objeto fora de casa, você terá que continuar utilizando fralda quando sair com a criança. Portanto, vamos facilitar e treinar diretamente no vaso sanitário.
Dica 5: além do assento de vaso redutor de tamanho, é FUNDAMENTAL que haja um apoio para os pezinhos, para que a criança se sinta confortável nesse momento. Há assentos que têm, inclusive, apoio lateral para apoiar e segurar com as mãozinhas.
Dica 6: se possível, tente o desfralde no verão ou na primavera, pois as chances de sucesso serão maiores. Nos meses de temperatura mais baixa, as pessoas normalmente perdem menos água por transpiração e, por esse motivo, urinam muito mais. Outra boa dica é iniciar o desfralde nos meses de férias da criança e do cuidador, quando as crianças podem estar mais sob nossa supervisão direta.
Dica 7: retire primeiro a fralda do dia e, quando esse comportamento estiver bem estabelecido, retire a fralda da noite. Retirar a fralda do dia e da noite simultaneamente pode acelerar o processo e pode trazer incômodos e frustrações desnecessárias. Quando a criança estiver conseguindo manter, durante pelo menos 3 dias, a fralda da noite totalmente seca, é o momento para você iniciar o desfralde noturno.
Dica 8: para as crianças que têm medo ou receio de entrar no banheiro, deixe que eles fiquem do lado de fora somente observando o que acontece lá dentro, enquanto você toma banho, escova os dentes ou usa o sanitário. Depois, através de aproximações progressivas, tente fazer com que a criança vá aos poucos entrando e permanecendo cada vez por mais tempo dentro do banheiro.
Dica 9: mesmo que o seu bebê seja um menino, o treinamento para fazer xixi no vaso sanitário deve ser realizado com ele SENTADO. Primeiro porque isso facilita a aquisição dessa habilidade e, segundo, porque frequentemente teremos xixi e cocô ao mesmo tempo…
Dica 10: também sabemos que o comportamento humano é, via de regra, estabelecido por mecanismos de reforçamento e punição. Assim, você precisa estar MUITO atenta e, SEMPRE que o bebê acertar o xixi ou o cocô no vaso sanitário, ele precisa ter seu comportamento IMEDIATAMENTE reforçado com um elogio, um livrinho ou um brinquedo de sua preferência.
Dica 11: em casos mais complexos, nos quais a criança está realmente demorando para compreender o desfralde, uma técnica bastante efetiva é levá-la a cada 60 minutos até o banheiro e mantê-la sentada no vaso sanitário por 3 a 5 minutos. Você deve tentar transformar esse momento em algo prazeroso, para que a criança não tente se esquivar do banheiro. Muitas vezes, imediatamente quando o bebê se levantar do vaso, ele irá urinar ou evacuar. É claro que isso é frustrante para os pais… Mas nesse exato momento você NÃO PODE repreendê-lo, não pode mostrar raiva e nem nojo, pois isso atrapalha e retarda o processo do desfralde. A forma correta de agir nesse momento é simplesmente secar e limpar a criança com o mínimo de interação possível. Nesse momento você não deve falar com ela e nem mostrar desaprovação através de gestos faciais.
Dica 12: quando você perceber que a criança está realmente pronta para o desfralde, uma boa ideia é levá-la para comprar cuecas ou calcinhas divertidas, coloridas ou com personagens infantis estampados. Isso pode ser muito estimulante para que eles deixem definitivamente a fralda de lado.
Dica 13: lembre-se de que questões emocionais podem dificultar a retirada da fralda. Então, se o ambiente emocional em casa não estiver bom no momento, se a criança estiver passando por qualquer dificuldade que altere negativamente suas emoções, ou no momento da chegada de um irmão, talvez seja mais prudente aguardar algum tempo para iniciar o desfralde. Se tudo estiver tranquilo dentro de casa, nossas chances de sucesso são muito maiores.
Dica 14: sabemos que as crianças no TEA, geralmente, têm melhor capacidade de aprendizado quando utilizamos pistas visuais. Para muitas dessas crianças, as pistas verbais não são minimamente eficazes. Assim, colar imagens ilustrativas de como fazer xixi e cocô no vaso sanitário pode ajudar nesse processo.
Dica 15: o desfralde pode ser fácil para algumas crianças autistas, pode ser difícil para outras, mas, na imensa maioria das vezes, não será impossível. Talvez a palavra chave nesse processo seja PACIÊNCIA…
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