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O que aprendi após ler “Olhe nos Meus Olhos”, de John Elder Robison

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Em um dos posts sobre minha história, eu disse que comecei a ter consciência sobre meu autismo aos 13 anos, quando fiz uma pesquisa sobre o tema “autismo” para um trabalho de Feira de Ciências na escola em que eu estudava. Usei como fonte principal da pesquisa o livro Um Antropólogo em Marte, escrito pelo neurologista Oliver Sacks, e contei a estória de duas personagens do livro que eram autistas: o desenhista autista/savant Stephen Wiltshire, e a bióloga e zootecnista autista Temple Grandin.

Um Antropólogo… foi minha única referência sobre autismo (além de uma edição de 2000-2001 em 16 volumes da enciclopédia Barsa, bem como a enciclopédia virtual Wikipédia) até 2008, quando uma professora do curso em que eu fazia inglês, na Freguesia (Jacarepaguá), me emprestou um livro que poderia mudar para sempre minhas perspectivas sobre autismo, e que poderia ajudar cada vez mais em minha aceitação como pessoa.

Ele se chamava Olhe nos Meus Olhos (no inglês original, Look Me in The Eye, e com o subtítulo original de My Life with Asperger’s) e foi escrito por John Elder Robison, um engenheiro norte-americano. O livro poderia parecer uma autobiografia comum, a não ser por um fato: seu autor, Robison, é autista, tendo sido diagnosticado com Síndrome de Asperger (diagnóstico atualmente em desuso graças ao advento da quinta edição do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais, o DSM-5) aos 40 anos.

Publicado em 2007 nos Estados Unidos, e no ano seguinte tendo sua primeira edição em português, Olhe nos Meus Olhos descreve a infância, a juventude e a vida adulta (até os 40 anos) de Robison de maneira detalhada. Descreve também como ele cresceu como um jovem desajustado nos anos 1960 e 1970, época em que o diagnóstico de Síndrome de Asperger ainda não existia, e como Robison aprende a se “encaixar” no mundo, sem que ele soubesse de fato por que era diferente.

Ainda criança, ele precisou lidar com um pai negligente e abusivo e com uma mãe com problemas de saúde mental, e ainda tinha dificuldade em se relacionar com outras pessoas além de seus familiares; em algum ponto de sua vida, ele parou de ir à escola e passou a ter um fascínio com eletrônica e engenharia de som. Tal interesse fez com que tivesse uma carreira incomum como engenheiro, fazendo serviços para as bandas Pink Floyd e KISS, e também criando jogos e brinquedos para uma empresa de jogos eletrônicos, e posteriormente, iniciando seu próprio negócio consertando e restaurando carros caros ou de luxo.

O livro também descreve o primeiro (e malfadado) casamento de Robison, com uma jovem (autista, claro, mas à época nem ela nem ele tinham noção do diagnóstico) apelidada pelo autor de “Ursinho”, e que resultou em seu único filho, Jack. Sua vida e visão de mundo se transformaram quando ele foi diagnosticado com Síndrome de Asperger com 39 anos, em 1996; posteriormente, decidiu escrever o livro Olhe nos Meus Olhos em memória de seu pai, que morreu em 2006, dez anos depois da descoberta que mudou sua vida.

A estória de Robison mostra que as pessoas podem realmente demorar a descobrir o que pode diferenciá-las umas das outras, e que tais descobertas podem causar revoluções em suas vidas – como no meu caso. Mostra que as pessoas autistas podem ficar muito tempo perdidas até um eventual diagnóstico, mesmo que tardio (não foi o que aconteceu comigo, mas já conheci alguns casos, a maioria destes, similares ao de Robison em determinado grau).

Mostra ainda que as pessoas “desajustadas” só querem, afinal de contas, compreender o mundo que as rodeia e as outras pessoas a viver nele. E que muitas vezes elas se pensam como estando fora deste mundo, ou que este mundo pode não ser o adequado para elas. Confesso que ainda que meu diagnóstico tenha sido próximo da idade ideal e que eu não tenha vivido como um “desajustado”, eu podia me ver algumas vezes como um “peixe fora d’água”… talvez porque, às vezes, eu me vejo como um quase “estrangeiro” em vários lugares onde vou. Ainda é assim hoje, mas em determinadas épocas isso já foi mais forte.

Este livro foi escrito por Robison, originalmente, não para dar enfoque ao autismo, mas para enfocar a perspectiva que ele tinha de sua infância, juventude e vida em família. Curiosamente, Robison apareceu pela primeira vez em livro como personagem de Correndo com as Tesouras, de seu irmão mais novo Augusten Burroughs, livro este que também contava a perspectiva de Burroughs, nascido Christopher, a respeito da família Robison.

O livro foi o primeiro testemunho completo de uma pessoa autista a respeito de sua condição que li – e, ainda assim, vai até os 40 e tantos anos do autor, que, no entanto, dá mais detalhes de sua vida em outros livros de memórias – um deles descrevendo a relação entre o autor e seu filho Jack, que ele apelida de “Cubby” – algo como “filhotinho”, em uma tradução do inglês para o português – e a criação de “Cubby”.

Além disso, Olhe nos Meus Olhos é também um livro necessário para que se compreenda a relação de qualquer pessoa com o mundo que a rodeia… e também, às vezes, para se compreender a relação que as pessoas têm consigo próprias.

O tema do próximo artigo será: os interesses obsessivos presentes em pessoas com Asperger. Até!

 

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